sábado, 15 de fevereiro de 2020

PATOLOGIA DA ARROGÂNCIA


(…) pessoas que pensam que tudo lhes é devido, que o mundo existe para lhes prestar vassalagem. (…) Enfim, tudo isto é velho como o mundo, mas tem dias em que aparece cru.
Anabela Mota Ribeiro

I

Patologia da arrogância. Esta não é uma expressão frequente na linguagem comum do dia-a-dia. Mas pensando bem, há muitas pessoas que sofrem ilusões de grandeza. Esses seres “iluminados” acreditam que são famosos, ricos, inteligentes; estão convencidos que são superiores aos outros; esforçam-se por nos subjugarem à sua perfeição, são manipuladores exímios através de meios persuasivos e magnetizantes. Cuidado, essas pessoas têm, na verdade, um grande poder – o de sugar a energia alheia.

Do ponto de vista psicológico, podemos aceitar que alguns destes indivíduos sofrem de Transtorno da Personalidade Narcisista (TPN), ao sobrevalorizarem as suas próprias características na importância e singularidade, quando ao mesmo tempo não aceitam como válido o êxito pessoal ou profissional dos que os rodeiam. Pensam que tudo está mal e que eles próprios teriam a solução para os problemas da sociedade. Os arrogantes não admitem a culpa e querem manter as aparências a todo o custo. Eles são insuportáveis… No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – IV a patologia é caracterizada por sentimentos exagerados de autoimportância, uma necessidade excessiva de admiração aliada a uma falta de compreensão dos sentimentos dos outros.

Mas afinal, seremos todos um pouco doentios, do ponto de vista da auto-estima?


Desejamos conhecer a nossa importância como indivíduos? Sim.
Necessitamos de alguma admiração por parte dos outros? Sim.
Falhamos frequentemente perante os sentimentos alheios? Sim.
Parece que o maior desafio tem a ver com a pressuposta fronteira entre o aceitável e o patológico. E acredito que todos ultrapassamos esses limites, pelo menos de vez em quando…


II

No Jornal Expresso de 8 de Fevereiro de 2020 pode ler-se uma reportagem de Chistiana Martins, após o episódio da criação de um index que proíbe a divulgação de clássicos da literatura do Brasil nas escolas públicas do estado de Rondónia:


"Medo do escuro?" - Jair Bolsonaro

“O governo do estado de Rondônia, no extremo norte do Brasil, determinou a recolha de 43 obras literárias por considerá-las ‘conteúdo inadequado’ para as escolas da rede pública. Entre os livros censuradas estão clássicos da literatura brasileira de autores como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Ferreira Gular, ou Rubem Fonseca, aquele que teve mais títulos excluídos: 19. (…) Também Aurélio Buarque de Holanda, autor do mais referenciado dicionário brasileiro e primo do autor e cantor Chico Buarque, tem obras retiradas do ensino público. Mas nem só autores brasileiros são censurados, também nomes universais como Franz Kafka ou Edgar Allan Poe foram rejeitados. (…) Rondónia é governado pelo coronel Marcos Rocha, seguidor da orientação ideológica de Olavo de Carvalho, considerado o mentor do Presidente Jair Bolsonaro. A ordem para retirar os livros terá vindo do secretário da Educação, Suamy Vivecananda, que classificou os livros incluídos na lista como tendo ‘conteúdos inadequados a crianças e adolescentes’.”


III

Primeiro proíbem os livros, depois queimam as ideias e… O que se seguirá é uma incógnita porque a patologia da arrogância é um fenómeno de fácil propagação e nunca será travado. Que havemos de fazer com tudo isto? Tirar a casca e comer cru? Ou devemos assumir o medo que temos do escuro, para enfrentarmos o negrume da censura e saltarmos no vazio metafórico do pensamento e da linguagem, acreditando que temos asas e conseguiremos voar?


2 comentários:

  1. Gosto do que escreveste. Mas, muitas vezes, o que acontece é esconder c0m a arrogância, uma certa doze de timidez. Visto-me de uma frieza anti-dialogante, que não é mais do que o terrível sentimento de pensar que toda a gente me olha pela visibilidade da minha condição física física. Este assunto tem-me levado ao afastamento do mundo e praticamente não saio de casa, e tem como resultado uma atitude / reacção antipática...
    Este é o plano pessoal, mas aquilo que dz no Expresso e que está implícito no teu texto é no sentido mais lato e muito mais importante e abrangente, da arrogância do poder que vai pelo mundo e alastra por toda a parte! Como dizes "queimam os livros e as ideias", até onde chegarão?
    Quanto a mim, assumamos os nosso medos e neles e com eles ganhemos força na unidade dos muitos combates que teremos, certamente, de concretizar -com o pensamento, a linguagem e a utopia : "ACREDITANDO QUE TEMOS ASAS E CONSEGUIMOS VOAR"...mj

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