sábado, 27 de junho de 2020

APPLE E COCA-COLA


Eles entenderam que era mais fácil
criar consumidores do que subjugar escravos.

Noam Chomsky

A vida contemporânea está moldada pela indústria da publicidade. O principal objectivo desta actividade profissional é a divulgação de ideias, instituições, serviços e produtos junto de um público-alvo – a massa consumidora – induzindo-o a uma atitude favorável à ideia em causa, à predisposição para utilizar um determinado serviço ou adquirir um produto específico. A técnica da propaganda difunde ideias e produtos, e a publicidade é o instrumento que os torna públicos. Do ponto de vista histórico, não sabemos como teve início esta actividade, mas todos sabemos o que ela significa hoje e que consequências tem nas nossas vidas. Estamos muito longe do primeiro anúncio publicitário da loja de agulhas da família Liu, em Jinan (Dinastia Song, China), considerado o primeiro meio de publicidade impresso do mundo. Aliás, sabe-se que a partir de 200 a.C. essa preocupação com o status social e estratificação das marcas já existia na China.


Anúncio publicitário da loja de agulhas da família Liu

Outra referência importante foi a campanha publicitária de sucesso da Coca-Cola no final do século XIX e que perdura atá aos nossos dias (em 2011, a Coca-Cola foi considerada a marca mais valiosa do mundo). E o que dizer da marca Apple no segmento das tecnologias de informação e comunicação que no século passado, em 1997, criou um inovador anúncio comercial de cariz filosófico intitulado “To the crazy ones”)? Recordemos: Isto é para os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os que são peças redondas nos buracos quadrados. Os que vêem as coisas de forma diferente. Eles não gostam de regras. E eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou difamá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça humana para frente. Enquanto alguns os vêem como loucos, nós vemos génios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são as que, de facto, mudam.

Anúncio publicitário da Coca-Cola (século XIX)

Anúncio publicitário da Apple (século XX)

Eles precisam de ver para crer, pensa o publicitário. E mesmo que seja mentira, se repetir muitas vezes, eles vão acreditar, acredita o manipulador. Não raras vezes, o publicitário e o manipulador justapõem-se. Exactamente: a indústria da publicidade dedica-se à criação de consumidores, os escravos do consumo dos séculos XX e XXI, mas por se terem conquistado tantos direitos e liberdades, dificilmente o sistema nos subjugaria sem resistência: foi necessário encontrar novos meios para controlar as pessoas, ou melhor, foi imperativo encontrar problemas que nem sabíamos que tínhamos para nos darem as soluções, através da indução. Vejamos alguns exemplos: temos muitos livros, então compramos um módulo Billy da Ikea; queremos ser felizes sem culpa, bebemos Coca-Cola light; queremos sentir-nos especiais, adquirimos o último modelo do Iphone (qualquer coisa) Plus.

O sistema de propaganda e de consumo conhece-nos e não lhe interessa que o consumidor de ideias, instituições, serviços e produtos esteja consciente das suas opções. Na situação pandémica em que vivemos, é notório um esforço global de marketing para nos fazer esquecer este fatal sentimento de vulnerabilidade que se apossou de nós, pois não nos quer deixar olhar com a devida atenção para a vida de confinamento que vivemos durante os últimos meses em que o mundo, literalmente, parou. Sabemos que o novo coronavírus existe e que não há cura, mas rapidamente desistimos de o combater. Todo um sistema de divulgação, publicidade, propaganda e marketing nos provoca, impelindo-nos de viver uma “nova normalidade” que é, afinal, igual à que vivíamos antes da pandemia: trabalhar, andar de transportes públicos, utilizar serviços, pagar impostos, fazer compras. Usamos máscaras cirúrgicas ou comunitárias, escondendo as más caras de cansaço e enfado que ostentávamos noutros tempos. Saímos todos os dias para a rua e abrimos muitas portas metafóricas, que sucessiva e cumulativamente nos vão contaminando com uma espécie de normalidade assintomática, e qualquer dia acreditamos que a Covid-19 foi apenas uma gripezinha (?!).

E nós, conhecemos o sistema de propaganda e de consumo? Temos consciência desta forma de manipulação que nos faz duvidar da nossa própria sanidade para aceitar as realidades, opiniões e perspectivas impostas pelo manipulador? Chama-se Gaslighting e veio para ficar, já está bem instalada entre as pessoas. Cuidado… Para finalizar, deixo uma questão que poderia ser o princípio de uma reflexão sociológica em larga escala: afinal, quem ou o que empurra a raça humana para a frente?

Adília César

sábado, 13 de junho de 2020

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES*


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

*Soneto de Luís Vaz de Camões
(Lisboa[?], 1524 — Lisboa, 10 de junho de 1579 ou 1580)

 
Foto de Mariana Aguiar

Desde há muito tempo que o dia 10 de junho está conotado com um sentimento português de celebração. Em 1925 a I República proclamou-o como Festa de Portugal. A mesma data foi seguida pelo Estado Novo, elevando-a à categoria de feriado nacional em 1929. No entanto, só em 1952 é que o dia passa a denominar-se como Dia de Portugal, uma vez que o Estado Democrático instituído pelo 25 de abril de 1974 assim o entendeu. Desde 1987 que o dia 10 de junho se celebra como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. O facto de a importância da data vir de longe é bastante original, sendo praticamente “caso único” no mundo segundo a historiadora Maria Isabel João, lembrando que a “maioria esmagadora dos países do mundo escolhe uma data que se relaciona com a fundação do Estado ou do regime político vigente”.

O Dia de Portugal personifica uma identidade nacional enraizada na consciência dos portugueses. É um símbolo histórico-cultural do povo, um valor abstracto validado por uma convenção, algo que representa qualquer coisa para alguém, absolutamente essencial no processo de comunicação no seio de uma comunidade. Os símbolos funcionam como sinais que nos ajudam a chegar a um pensamento conceptual comum, neste caso, a assunção do conceito de portugalidade que é diferente do portuguesismo.

Este último Dia de Portugal – 10 de junho de 2020 – celebrou-se em plena pandemia de coronavírus, a qual não pode ser ignorada. São tempos que vão ficar na história de toda a humanidade; estão a ser escritos neste preciso momento, também aqui neste pequeno país. É uma história que não sabemos como vai acabar. Quem dá voz aos tempos de inquietação e receio? Somos portugueses e estamos juntos. Temos sol, mar e esperança. Somos poetas e sabemos que o poema de Camões nos abre o caminho da resistência e da cura, através da mudança. Temos opinião, somos declamadores de alma e coração, e arranjamos sempre maneira de ficar tudo bem, encontrando soluções criativas para os problemas de todos os dias.

Afinal, ser português é tudo valer a pena porque a nossa alma não é pequena, é aguentarmos todas as mudanças, ainda que pandémicas. Também não será um vírus que nos vai derrubar, porque ser português é acreditar em tudo e duvidar de tudo. Entre a portugalidade e o portuguesismo, o nosso instinto individual e colectivo vai encontrar o caminho necessário à vida. E isso é Portugal.

Adília César
https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__252

LÓGOS 10 - MAIO 2022 (ÍNDICE)