quinta-feira, 21 de setembro de 2017

7 UNIVERSOS DE POESIA | LUÍS QUINTAIS

LÓGOS – Biblioteca do Tempo realizou uma série de entrevistas a 7 poetas portugueses, cujo questionário (com base em citações de autores universais) foi igual para todos excepto a última questão, mais pessoal. A particularidade deste projecto foca-se no facto de nenhum dos poetas contactados ter tido conhecimento das respostas dos seus pares. As 7 entrevistas serão posteriormente publicadas na revista LÓGOS – Biblioteca do Tempo.


LÓGOS: Paul Éluard disse (e cito de memória) que poeta é aquele que inspira, e não aquele que é inspirado. Ora, como parece haver mais “poetas” do que leitores de poesia, somos efectivamente um país de “inspirados”?

LUÍS QUINTAIS: Toda a poesia (toda a literatura) é interpelação. Nesse sentido, os poetas e os seus leitores coincidem também nesse ponto. São inspirados e inspiradores. O Éluard não tem razão. A afirmação de que há mais poetas do que leitores, de que somos um país de inspirados, só pode ser irónica. De facto, nunca se publicou tanta poesia como hoje. Tanta poesia má, diga-se. Aliás, os melhores poetas do nosso tempo devem estar soterrados sob pilhas de lixo. Como não sabemos o que é poesia (mesmo que sejamos capazes de reconhecer o que é má poesia), com tanto lixo ficamos a saber ainda menos. Ou seja, é o desnorte total. O marasmo. E veio para ficar. 

LÓGOS: “O que distingue um grande poeta é o facto de ele nos dizer algo que ninguém ainda disse, mas que não é novo para nós.” Partindo deste pressuposto de Ortega y Gasset, qual é o teu «ponto de partida» para a construção de um poema?

LUÍS QUINTAIS: Não tenho um ponto de partida. Não existe conhecimento, apenas aventura e experiência (diz, mais ou menos sob esta forma, Virginia Woolf em The Waves). Ou seja, os poemas são o resultado de uma longa e densa imersão na linguagem. Como diz também Auden, o poeta é alguém profundamente apaixonado pela linguagem. Acho que é basicamente isso que me move, o que não constitui um ponto de partida.

LÓGOS: A maior verdade de um poeta é pôr o mundo a falar nos seus versos? É uma tragédia se não o entendem no seu tempo? Tens consciência da «utilidade» da tua poesia no mundo?

LUÍS QUINTAIS: Acho que não tem utilidade nenhuma. A mim, preenche-me os dias. Ler poesia e escrever poesia são parte dessa aventura na linguagem. Aliás, o que me interessa é inútil. Não gosto particularmente desse mundo de utilidade e função que parece estar por todo o lado, com resultados catastróficos para a inteligência, sensibilidade e bom senso.

LÓGOS: “O poeta não exagera profundamente, mas amplamente” (Mattew Arnold). És tentado, como poeta, a destruir a linguagem para criar outra linguagem?

LUÍS QUINTAIS: É impossível criar outra linguagem. Não existem linguagens privadas, como nos mostrou Wittgenstein. As palavras estão gastas. É a nossa aceitação desse dado que nos pode tornar, hoje, poetas mais atentos às possibilidades da linguagem. Já tudo foi dito, redito, feito, refeito.

LÓGOS: Nadine Gordimer disse que “A poesia é ao mesmo tempo um esconderijo e um altifalante”. Quanto da tua poesia é mistério e «leitura infinita»?

LUÍS QUINTAIS: Ela permanece um mistério para mim desde o início. Eu não controlo os meios de expressão integralmente, e tudo o que escrevo é também uma discussão ou interpelação dessa falha. Uma falha que habita a linguagem. Que habita o pensamento. Uma falha é uma abertura para esse infinito, para essa possibilidade.

LÓGOS: “Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo” (John keats). Qual é a tua opinião sobre esta floresta de poetas que cresce imparável numa eterna falsidade de vozes?

LUÍS QUINTAIS: É ruído, confusão, marasmo. Apesar de defender que a poesia é uma manifestação do irracional ou do inconsciente – «Poetry must be irrational» (Wallace Stevens) –, eu não acredito muito na espontaneidade. Hoje há muita espontaneidade, para não dizer impulsividade. Daí o carácter manifestamente falso e equívoco do que aparece sob o rótulo de poesia.

LÓGOS: A poesia é confissão? Ou uma filosofia do espírito que nomeia a vida?

LUÍS QUINTAIS: Pode ser isso tudo, e muito mais. Em boa verdade não sei. Sei apenas que é uma procura na linguagem, e que essa procura não é um derrame (o que, por vezes, aparece sob a designação de confissão) nem é filosofia, isto é, uma indagação em nome do conhecimento ou da virtude. Seja como for, há poetas confessionais e poetas com preocupações filosóficas que me interessam muito.

LÓGOS: Nathalie Sarraute: “A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível.” Já algum crítico conseguiu evidenciar na tua obra o que pretendeste, deliberadamente, que permanecesse invisível numa primeira leitura?

LUÍS QUINTAIS: Nada se esconde na minha poesia. Tudo está à superfície. Mesmo o invisível ou o opaco é aparente. Depois há significados partilhados, nomes, objectos, referências intertextuais, situações, contextos. Até aí chegam sempre os leitores atentos (um crítico não é mais do que isso). O invisível é visível sem mediação.

LÓGOS: “A poesia não é uma questão de sentimentos, é uma questão de linguagem. É linguagem que cria sentimentos” (Umberto Eco). Consideras que a verdadeira poesia é uma arte cheia de regras e técnicas e que procura ter uma boa relação com os sentimentos?

LUÍS QUINTAIS: Como disse atrás, a poesia é experiência na linguagem. Nada escapa à linguagem. A poesia pode trair as regras e as convenções linguísticas (sintáticas, semânticas), mas não pode trair a experiência na linguagem. Como deve ter reparado, prefiro falar de experiência (e não de sentimentos).

LÓGOS: Que recordações mais te marcaram na tua passagem pelo D.N Jovem, tendo em conta que eras nesse tempo (década de 80) um jovem poeta que revelava publicamente os seus primeiros poemas?

LUÍS QUINTAIS: O DN Jovem está muito associado à minha vida em Lisboa nos idos anos oitenta. Tempos de uma certa inocência que, para o bem e para o mal, desapareceu quase integralmente. Aos vinte anos é-se muito inocente.

Biografia:

Luís Quintais nasceu em 1968. Poeta, ensaísta, antropólogo e professor junto da Universidade de Coimbra. Publicou treze livros de poesia: A imprecisa melancolia (1995); Lamento (1999); Umbria (1999); Verso antigo (2001); Angst (2002); Duelo (2004); Canto onde (2006); Mais espesso que a água (2008); Riscava a palavra dor no quadro negro (2010); Depois da música (2013); O vidro (2014); Arrancar penas a um canto de cisne, Poesia 2015-1995 (2015) e A noite imóvel (2017). Foi distinguido com os prémios Aula de Poesia de Barcelona, PEN Clube Português, Prémio Fundação Luís Miguel Nava, Prémio Fundação Inês de Castro, Prémio António Ramos Rosa, e Prémio Associação Portuguesa de Escritores (Teixeira de Pascoaes). A sua página pessoal na web pode ser encontrada em: 

luisquintaisweb.wordpress.com

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