Eça de Queirós (1845-1900),
in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
Salvador Dalí, Figura Cubista, 1925 |
*
COMO
NOS OLHA
este
olhar parado, esta íris de nudez clandestina, o véu que desoculta a vida a
entontecer. A vida… é um turbilhão e nós rodopiamos na periferia, na ânsia de
chegar ao epicentro. Dança menina dança na tua saia redonda. Que cintilava
olhos de ser coisa viva. E nós ficaremos aqui a olhar. A vida.
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VER
a
luz e a sombra. As esquinas, os cantos, a verticalidade do teu espírito. É um
espectáculo com morte por dentro, porque toda a coisa viva está,
inevitavelmente, quase a morrer. Assim, devagar, como restolho ao sol. Mas este
é o teu momento presente e esta é a nossa expectativa de acumulação, uns em
cima dos outros, em forma de pirâmide. Se conseguires trepar por cima dos
nossos corpos, a cúpula cimeira será o trono dos teus momentos futuros. Tenta.
Vais ver que vale a pena.
*
SENTIR
uma
emoção emendada à última hora. O cão rosna com afinco e sente o teu medo. Fecha
os olhos. Ouve o zumbido do calor na parede do aquário onde te refrescas. À tua
volta, a multidão corre desenfreada e não sai do mesmo sítio. É um caracol
monstruoso de múltiplos rumores. Repara, amanhã tudo isto estará apagado,
silencioso. Sentirás então a perspectiva de um anúncio verdadeiro, a sensação
de morte nesse peso que carregas nos ombros. Respira. Ainda não é a morte: é
apenas o teu coração atulhado de mentiras, é a tua cabeça enroscada em tantos
rostos falsos.
*
O
NORTE
pode
ser uma imagem disruptiva que orienta o teu espírito. Afinal, a tua mente é
caótica. Sangras os teus desconcertos diários e a ordem melódica não te agrada.
Rompes com as normas impostas e procuras outro rumo; o Sul, talvez. Tentas,
tentas, mas a espiral que te aprisionou quando ainda eras uma criança não te
liberta. O que resta é uma imagem no horizonte que se altera a cada instante e
que tu não consegues agarrar.
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