A economia, a saúde, gente a morrer todos os
dias, etc. "Vai Ficar Tudo Bem", nem quero imaginar o que seria se
tudo ficasse mal.
Raul Pimenta
A
comemoração da Páscoa foi bem diferente, neste estranho ano de 2020. Na sua
definição, o tempo destinado à Páscoa é a reflexão sobre a crucificação, a morte
e a ressurreição de Cristo. Talvez seja a principal comemoração da tradição
cristã porque coloca em evidência de Verdade a crença na ressurreição de
Cristo, que se ofereceu em sacrifício para a salvação da humanidade, dando-nos
a perspectiva de uma nova vida. Através de uma simples associação de ideias,
chego aos técnicos de saúde e seus auxiliares retidos nos hospitais, em
sacrifício, dia após dia. Tentam salvar a humanidade. Há muitas formas de crucificação e muitas maneiras de
morrer, mas desconheço modos eficazes de ressurreição. Nesta Páscoa eles foram
os meus "Cristos" e vieram substituir as amêndoas e os folares, as
tais alegrias doces que não estiveram na minha mesa de Domingo de Páscoa por
vontade própria. E no tempo do porvir – Estado de Emergência ou similar – eles
são e serão os meus heróis. Demonstro um profundo respeito por todos esses
corajosos e incansáveis profissionais através do meu confinamento, para não
adoecer e não contagiar os outros. E isso basta-me enquanto comemoração e
actual filosofia de vida.
Tenho também
dedicado algum tempo a reflectir sobre o valor humano do mundo virtual neste
período de isolamento, a tentar que o meu pensamento alcance algo diferente da
coisa pensada, ou melhor dizendo, que encontre uma passagem para o real. Mas
não é fácil. Na verdade, não podemos filtrar aquilo que queremos ver ou ler nas
redes virtuais onde parece estarmos a gastar tanto do nosso precioso tempo: a
quantidade de "shits" sobre a pandemia que nos é oferecida
diariamente pelos “especialistas”, multiplicada em numerosos grupos de apoio à
cena Covid-19, é avassaladora e viola as nossas intenções mais inocentes.
Existem, no entanto, verdades bombásticas: a cada dia, há mais pessoas
infectadas e algumas delas irão morrer; o mundo económico está em grande parte parado,
causando um perigoso estado de precariedade no poder financeiro das famílias,
logo, da sua sobrevivência; o país e o mundo equilibra-se numa corda bamba; a
vida está suspensa bem acima das nossas cabeças ocas. Tudo se resume a sermos
capazes de desenhar um mapa pessoal de sobrevivência, que é, afinal, igual para
todos: não adoecer, não contaminar os outros, conseguir ter dinheiro suficiente
para adquirir bens de primeira necessidade, ser solidário para quem mais
precisa.
O espírito
positivo está na moda e os arco-íris também. Mas nada disso nos irá salvar.
Precisamos de acreditar no poder maligno deste novo vírus, desconfiar de tudo o
que nos dizem e, até ao limite do impossível, prestar a devida vénia ao
distanciamento social. Logo, uma boa dose de negativismo, sem distracções. Só
isso dará mais tempo ao nosso tempo. Para não morrer ainda.
Graças a
Deus, o Seu Filho já ressuscitou e podemos enterrar a Páscoa, dando início a uma nova semana que mais parece "a sombra
de uma sombra" (belo título para um livro de poemas...). A vigilância
assoberbada sobre os habitantes deste planeta infectado assusta-me. E aceitamos
essa vigilância virtual porque estamos à mercê de um vírus que nos colocou a
todos, de uma assentada, em sucessivos Estados de Emergência controlados pelas
autoridades que afinal só nos querem salvar.
Vêm aí outras comemorações: o 25 de abril e o 1º de maio.
Este ano, e sem qualquer espécie de ironia, tentarei não aturdir o pensamento
com ideologias de outros tempos e vou substituir os cravos vermelhos por
máscaras, luvas e gel desinfectante, tomando a Liberdade como minha conselheira.
#VaiFicarTudoBem? Cuidado com a
demagogia do espírito positivo. Faz mais sentido, para mim, o seguinte slogan:
#VaiFicarTudoDiferente.
Adília César
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