sábado, 10 de agosto de 2019

PRONTO-A-DESPIR


Um tipo atípico e, no entanto, cheio de arquétipos.
Um sonho das superfícies. Moldável. Serve de moldura.
Aproximem-se. O vosso photomaton também cabe aqui.

Golgona Anghel

Ainda o mês de agosto do meu descontentamento. Ano após ano, agosto volta e traz com ele os exageros estilísticos. Claro, o mês dourado da estação veranil serve para os dois lados: o que tem de bom tem de mau, mas não é essa dicotomia que pretendo discutir aqui. E não nos debrucemos sobre legislação em vigor relativamente ao decoro do traje, pois essa matéria é, pela certa, areia movediça…

Arte de Isabel Afonso

No Algarve, o sol arrebatador implica roupas leves e frescas, adereços coloridos, óculos escuros, chapéus de palha e os clássicos chinelos de enfiar nos pés. Não podemos esquecer os decotes e as transparências para completar a grande onda algarvia da moda. Neste sentido, a moda equilibra-se no fio da bainha e cada pessoa sai à rua exibindo um-estilo-que-não-é-bem-um-estilo. Observando com atenção, todos podemos ser, afinal, estilistas inovadores, de acordo com as conjugações possíveis ou impossíveis entre peças, imbuídos do espírito crítico de que somos capazes no exercício do direito à liberdade de expressão.  No campo traiçoeiro da moda, os homens, de um modo geral, são mais discretos: t-shirt, calção, óculos escuros, chinelos, boné; às vezes descalços, outras de tronco nu. Já as mulheres, seres complexos e de extremo bom ou mau gosto, dependendo do ponto de vista do apreciador com quem se cruzam, são capazes de assumir uma predisposição intrínseca para o inusitado, o provocador, o exagerado: a calça branca transparente com a cueca opaca de dimensão reduzida, o vestido tipo lingerie, o short que destapa as nádegas… e muitos outros casos flagrantes com os quais tropeçamos todos os dias, não esquecendo, como é evidente, a indumentária das figuras mais andrógenas; também ao referir o homem e a mulher enquanto sexos diferenciados, não estou a excluir a construção histórico-cultural dos diferentes géneros existentes (o heterossexual masculino e feminino, o homossexual masculino e feminino e o bissexual) e as respetivas correlações com as roupas que envergam… No entanto, o que me interessa agora realçar é que os exageros da arte do vestuário, independentemente dos sujeitos em questão, parecem tão naturais que já ninguém liga: não aquecem nem arrefecem, apesar das temperaturas altas que se fazem sentir.

Na praia, dá-se continuidade a este processo descontínuo de estilismo, é o destapa-se-quem-puder: vale tudo, mostra-se todos os possíveis centímetros de pele, para os besuntar de bronzeador e usufruir de um belo escaldão; frequentam-se os cafés e os restaurantes despidos da mesma forma. Outro exemplo caricato é a atitude estilista assumida nas viagens de mota, ao que chamo o-esperar-que-corra-tudo-bem-e-não-se-tenha-um-acidente: usa-se capacete como medida de segurança, mas eles conduzem frequentemente de manga curta, calção e chinelos e elas de vestidinho ou páreo, short e chinelos, o que provavelmente dificultará a protecção dos corpos em caso de queda...

Ainda há quem ainda se vista a rigor, tendo em conta peças de vestuário e de calçado cuidadosamente escolhidos para cada ocasião, o que é tão válido como o seu contrário. Por aquilo que tenho observado, há um número considerável de pessoas que não perde tempo a pensar sobre a vestimenta, pois parece que muitos homens e mulheres saem à rua envergando o que estava à mão, o que às vezes é quase nada… Esta atitude, tão frequente nas regiões mais quentes e costeiras como a bela região algarvia, resulta em imagens risíveis que ilustram bem a tese que pretendo defender: o Algarve é um enorme Pronto-a-Despir. E como ponto de partida para a reflexão deixo um exemplo extremo e real, com o qual um amigo se deparou há uns dias, enviando-me a fotografia que captou de um casal em férias no Algarve: um homem descalço e uma mulher de bikini tipo fio dental faziam compras numa grande superfície comercial que se situa ainda longe da praia. Descontracção? Abuso? Anedota?


Foto cedida por Franscisco B.

Cada um veste o que quer vestir e ninguém tem nada que ver com isso, ou seja, a crítica alheia não deve ser a bitola do nosso estilo de moda: as necessidades e o gosto pessoais, sim. Além disso, as roupas que cobrem ou descobrem a nudez do corpo são tecidas, em primeiro lugar, com preconceitos e pudores; e também com seda, linho, lã, algodão. As roupas e restantes adereços são um vestuário emocional que nos protege das intempéries meteorológicas e sociais, mas que também nos expõe perante os outros, o que quer dizer que podemos despir as roupas, mas nunca ficamos completamente nus. A nudez é sempre interior. A pele é apenas o contorno do corpo que nos pertence, nu ou vestido, sobre o qual deveríamos ter domínio absoluto, com o devido respeito por nós e pelos outros.

Provavelmente, o-estilo-que-não-é-bem-um-estilo não é um problema sério para reflexão. O tempo de férias também é o tempo para descontrair: é só sair à rua e soltam-se umas boas gargalhadas à custa das indumentárias alheias! E de mim riem os outros.

Adília César

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