Um tipo atípico e, no entanto, cheio de arquétipos.
Um sonho das superfícies. Moldável. Serve de moldura.
Aproximem-se. O vosso photomaton também cabe aqui.
Golgona Anghel
Ainda o mês de agosto do meu descontentamento.
Ano após ano, agosto volta e traz com ele os exageros estilísticos. Claro, o
mês dourado da estação veranil serve para os dois lados: o que tem de bom tem
de mau, mas não é essa dicotomia que pretendo discutir aqui. E não nos
debrucemos sobre legislação em vigor relativamente ao decoro do traje, pois
essa matéria é, pela certa, areia movediça…
No Algarve, o sol arrebatador implica
roupas leves e frescas, adereços coloridos, óculos escuros, chapéus de palha e
os clássicos chinelos de enfiar nos pés. Não podemos esquecer os decotes e as
transparências para completar a grande onda algarvia da moda. Neste sentido, a
moda equilibra-se no fio da bainha e cada pessoa sai à rua exibindo um-estilo-que-não-é-bem-um-estilo.
Observando com atenção, todos podemos ser, afinal, estilistas inovadores, de
acordo com as conjugações possíveis ou impossíveis entre peças, imbuídos do
espírito crítico de que somos capazes no exercício do direito à liberdade de
expressão. No campo traiçoeiro da moda,
os homens, de um modo geral, são mais discretos: t-shirt, calção, óculos
escuros, chinelos, boné; às vezes descalços, outras de tronco nu. Já as
mulheres, seres complexos e de extremo bom ou mau gosto, dependendo do ponto de
vista do apreciador com quem se cruzam, são capazes de assumir uma
predisposição intrínseca para o inusitado, o provocador, o exagerado: a calça
branca transparente com a cueca opaca de dimensão reduzida, o vestido tipo
lingerie, o short que destapa as nádegas… e muitos outros casos flagrantes com os quais tropeçamos todos os dias, não
esquecendo, como é evidente, a indumentária das figuras mais andrógenas; também
ao referir o homem e a mulher enquanto sexos diferenciados, não
estou a excluir a construção histórico-cultural dos diferentes géneros existentes
(o heterossexual masculino e feminino, o homossexual masculino e feminino e o
bissexual) e as respetivas correlações com as roupas que envergam… No entanto,
o que me interessa agora realçar é que os exageros da arte do vestuário,
independentemente dos sujeitos em questão, parecem tão naturais que já
ninguém liga: não aquecem nem arrefecem, apesar das temperaturas altas
que se fazem sentir.
Na praia, dá-se continuidade a este
processo descontínuo de estilismo, é o destapa-se-quem-puder: vale tudo,
mostra-se todos os possíveis centímetros de pele, para os besuntar de
bronzeador e usufruir de um belo escaldão; frequentam-se os cafés e os
restaurantes despidos da mesma forma. Outro exemplo caricato é a atitude
estilista assumida nas viagens de mota, ao que chamo o-esperar-que-corra-tudo-bem-e-não-se-tenha-um-acidente:
usa-se capacete como medida de segurança, mas eles conduzem frequentemente de
manga curta, calção e chinelos e elas de vestidinho ou páreo, short e chinelos,
o que provavelmente dificultará a protecção dos corpos em caso de queda...
Ainda há quem ainda se vista a rigor,
tendo em conta peças de vestuário e de calçado cuidadosamente escolhidos para
cada ocasião, o que é tão válido como o seu contrário. Por aquilo que tenho
observado, há um número considerável de pessoas que não perde tempo a pensar
sobre a vestimenta, pois parece que muitos homens e mulheres saem à rua
envergando o que estava à mão, o que às vezes é quase nada… Esta atitude, tão
frequente nas regiões mais quentes e costeiras como a bela região algarvia, resulta
em imagens risíveis que ilustram bem a tese que pretendo defender: o Algarve
é um enorme Pronto-a-Despir. E como ponto de partida para a reflexão deixo um
exemplo extremo e real, com o qual um amigo se deparou há uns dias, enviando-me
a fotografia que captou de um casal em férias no Algarve: um homem descalço
e uma mulher de bikini tipo fio dental faziam compras numa grande superfície
comercial que se situa ainda longe da praia. Descontracção? Abuso? Anedota?
Cada um veste o que quer vestir e ninguém tem nada que ver com isso, ou seja, a crítica alheia não deve ser a bitola do nosso estilo de moda: as necessidades e o gosto pessoais, sim. Além disso, as roupas que cobrem ou descobrem a nudez do corpo são tecidas, em primeiro lugar, com preconceitos e pudores; e também com seda, linho, lã, algodão. As roupas e restantes adereços são um vestuário emocional que nos protege das intempéries meteorológicas e sociais, mas que também nos expõe perante os outros, o que quer dizer que podemos despir as roupas, mas nunca ficamos completamente nus. A nudez é sempre interior. A pele é apenas o contorno do corpo que nos pertence, nu ou vestido, sobre o qual deveríamos ter domínio absoluto, com o devido respeito por nós e pelos outros.
Provavelmente,
o-estilo-que-não-é-bem-um-estilo não é um problema sério para reflexão. O tempo
de férias também é o tempo para descontrair: é só sair à rua e soltam-se umas
boas gargalhadas à custa das indumentárias alheias! E de mim riem os outros.
Adília César
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