«Damos um nome às coisas que amamos.»
Gerry Durrell
Existem inúmeras teorias que explicam o aparecimento
da linguagem, ou melhor, da língua, enquanto sistema de fala e de comunicação
entre as pessoas. No seguimento do gesto rudimentar (comunicativo de uma acção,
de um estado ou de um desejo), provavelmente surgiu a fala, a par do aperfeiçoamento
dos sons emitidos pelo aparelho vocal. Na Idade da Pedra, esta necessidade de
comunicação estaria relacionada com a sobrevivência das espécies. Um dia,
deu-se a cada criança um nome próprio; primeiro, o nome teria uma forte carga
conotativa; actualmente, os nomes próprios foram esvaziados do sentido etimológico,
do conteúdo semântico, restando apenas uma espécie de invólucro opaco que
oculta o original e verdadeiro significado do nome em si.
Quando penso nas palavras, admito imediatamente a
sua condição de equilíbrio. São tão frágeis as palavras. Quando no início havia poucas coisas e não tinham
nome, acredito que tudo estava no seu devido lugar. Depois, a existência de muitas coisas implicou dar um nome diferente a cada
uma. Ela - a linguagem - pensa nas coisas e nas palavras das coisas. O
significado de um nome é a essência da própria matéria viva ou inerte, ínfima
ou gigantesca, particular ou universal. Afinal, tudo existe apenas porque pode
ser nomeado. Ela - a linguagem - inventa um nome naquele preciso momento em que tem a certeza que não pode ser
ouvida: é o princípio de si própria, a chamar a pedra, o fruto, o bicho, o
homem, o medo. Na escuta da própria voz, o som do nome de qualquer coisa a esvaziar o sentido dessa palavra, a procura de uma essência anterior à
substância da coisa, o
entendimento da génese material e espiritual de um ser no campo mórfico de forças que sintonizam a expressão da energia.
Uma espécie de autofagia do pensamento, que por sua vez renasce numa outra
linguagem, cada vez mais viva por ser dinâmica.
Ela – a
linguagem - sabe, antes de qualquer outro pensamento, que é um quase-nada, uma
quase-vida, uma quase-viagem. Tantos caminhos, mas apenas um a percorrer, o da
procura da sua própria interioridade e valor, através da declamação da
palavra-chave da sua existência: emoção - a coisa e o seu próprio nome. As
palavras não chegam para encontrar todos os caminhos comunicativos, mas mesmo
assim, a palavra é dita e esvaziada do próprio som, teimosamente repete-se,
multiplica-se, transforma-se noutros códigos. A coisa (pedra, fruto, bicho,
homem, medo) é agora emoção pura, e a palavra do seu nome fará parte dela para
sempre: por fim, no tempo em que escrevo esta crónica, é o meu dicionário
pessoal e intransmissível. Tão frágeis as palavras, tão ténues os elos entre as
palavras e as coisas. Elos torcidos enredam-se e partem-se; a energia impõe a
sua inércia e tenacidade, mas mesmo assim, as coisas deixam de existir porque
não há palavras para as nomear, quando a não-existência deixa de ter
importância e a palavra cai num salto abismal sem rede, perde a forma enquanto
mergulha no sentido esvaziado da matéria viva a perder a luz. Os nomes que dou
às coisas são apenas um eco, uma maneira de “aparecer”, mas não de “ficar”.
É preciso
fazer prevalecer o nome num significado “significante” para cada um de nós e há
muito tempo que procuro organizar uma teoria: creio que é o amor que faz
perdurar o nome. Dou um nome à minha filha e dou-lhe o meu nome. Dou um nome ao
que sinto pelo homem que amo e amplio o meu nome com os nomes dele: engrandeço
o meu dicionário pessoal imbuído de amor. "A importância dos nomes" foi o título dado por Adriana
Freire Nogueira a um artigo
que escreveu para o Cultura.Sul (p. 11), publicado a 19.01.2018. Gostei do
texto, ilustrado por inúmeras referências literárias, algumas das quais desconhecia.
Recordei então uma particularidade em relação ao meu nome da infância –Adília
– que me incomodou durante muito
tempo. Quis o destino que o meu pai, aos dezasseis anos, tivesse feito uma
promessa, a qual envolvia uma irmã sua que estava doente desde os 5 anos com
tuberculose e que, infelizmente, acabou por falecer pouco depois: se um dia
fosse pai de uma menina, chamar-lhe-ia "Adília", em sua honra. E assim foi.
Quando aprendi a escrever o meu nome completo, o meu pai contou-me o seu contorno peculiar: «Sabes, o teu nome não é um nome qualquer, estava guardado no meu coração.», disse ele. O que tornou esta história bastante delicada para mim, foi a partida que o mesmo destino me pregou: tendo em conta os apelidos do pai e da mãe da minha tia Adília e os do meu pai e da minha mãe, eu acabei por ter os mesmos nomes próprios e os mesmos apelidos do que ela. Uma sensação estranha, parecia que me equilibrava no fio da morte. Durante alguns anos, foi penoso carregar aquelas palavras tão importantes, escritas com letras maiúsculas e registadas na minha Cédula Pessoal: o desafio emocional de ser uma pessoa viva com o nome de uma pessoa morta. Assim, peço emprestadas as últimas palavras escritas por Adriana: «Por vezes, temos de fazer as pazes com o nosso nome. Eu já fiz.»
A minha tia Adília César |
Quando aprendi a escrever o meu nome completo, o meu pai contou-me o seu contorno peculiar: «Sabes, o teu nome não é um nome qualquer, estava guardado no meu coração.», disse ele. O que tornou esta história bastante delicada para mim, foi a partida que o mesmo destino me pregou: tendo em conta os apelidos do pai e da mãe da minha tia Adília e os do meu pai e da minha mãe, eu acabei por ter os mesmos nomes próprios e os mesmos apelidos do que ela. Uma sensação estranha, parecia que me equilibrava no fio da morte. Durante alguns anos, foi penoso carregar aquelas palavras tão importantes, escritas com letras maiúsculas e registadas na minha Cédula Pessoal: o desafio emocional de ser uma pessoa viva com o nome de uma pessoa morta. Assim, peço emprestadas as últimas palavras escritas por Adriana: «Por vezes, temos de fazer as pazes com o nosso nome. Eu já fiz.»
Adília César
in https://issuu.com/danielpina1…/docs/algarve_informativo__209
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