«alma sonhadora
Irmã gémea da minha!»
(Excerto de poema dactilografado e
não datado
À memória de Florbela Espanca
de Fernando Pessoa)
Estamos vivos há tanto tempo que
caminhamos descalços sobre a lava acesa do vulcão e nem sentimos a dor. Somos
reféns de um chão de dentro e é por dentro que existimos para lá do que somos
capazes de existir. Viver é morrer. Não vivemos realmente, estamos apenas a
morrer devagar. Mas a morte também se escreve com outras palavras: alma, amor,
paixão, saudade, beijos, versos, poeta, temas recorrentes de todos os poetas.
Serão os poetas mais altos, maiores do que os homens, almas gémeas uns dos
outros?
Se o Universo e Deus eram uma e a mesma
coisa, decifrar os mistérios da vida seria o resíduo imanente da poesia de
Florbela Espanca – amar, ser amada, no corpo e no espírito concretos. O
erotismo como louvor da vida. Possuir o objecto passional e ainda assim ser
infeliz. Tentar a glorificação da vida e do amor, trocando olhares com a
solidão, a tristeza, a saudade, a sedução, o desejo e a morte. Viver
plenamente. Tentar a morte, tentar, tentar, e por fim, morrer.
Florbela Espanca nasce em 1894, numa época
caracterizada por uma opressiva tradição patriarcal. A mulher portuguesa era a
submissão abnegada em todos os aspectos da vida familiar, profissional e
social. Mas o “eu” florbeliano ressurge continuamente, sedento de glória. É
através da poesia que se glorifica, que enaltece a sua condição feminina,
embora distanciada desse problema real, ou seja, ela aparece sempre desligada
das preocupações de conteúdo humanista, social ou político. Mas é intensa,
enfática, exacerbada, excessiva, recolhida no seu próprio “eu” emocional. Uma
vida carregada de sofrimento, inquieta e tumultuosa. A sua poesia é o desabafo
da exaltação sentimental, ambígua e predominantemente pecadora: o amor que
canta imoderadamente pelo seu irmão Apele não será incomum?
O título do primeiro livro de Florbela,
publicado há precisamente 100 anos, realça bem a sua condição e sentimento
perante o mundo de infortúnio que a cerca – Livro
de Mágoas. Pois é de mágoas que tudo se expressa, a poesia, a necessidade
constante de encontrar um lugar interior de voos quebrados. Diz-nos Florbela
que a morte é doce e serena, diz Florbela que morreu tantas vezes desde que
escreveu as suas primeiras composições poéticas, nomeadamente o poema “A vida e
a morte”, um soneto dedicado ao seu irmão Apele.
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo outono,
Fecha os olhos, simples, docemente,
Como à tarde uma pomba que tem sono…
Florbela e Apele |
A pessoa confunde-se com a poetisa, a vida substancia a obra e a obra retrata a vida. Mas aos 36 anos, Florbela está perdida. A flor que nasce bela na Charneca em Flor adormece, perdidamente, sempre bela. E é amar-te, assim, perdidamente… que nos enche de esperança. Porque assim, é seres alma e sangue e vida em mim, e dizê-lo cantando a toda a gente! Na sede pelo infinito, a poetisa foi no seu tempo uma personalidade lírica isolada, mas ainda é uma voz poética universal. Ela sabia o que era ser poeta.
Florbela Espanca controlou o caos da sua
vida nascendo em 1894 e morrendo em 1930 no mesmo dia – 8 de dezembro. Pois se
a vida é um sonho, a morte é o outro lado do espelho sonhador: é a tua última
mágoa, é a Flor mais Bela, és tu.
Adília César
https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__206
Já há muito Tempo atrás, fui incondicional amante da poesia de Florbela, mais precisamente durante a adolescência, sabia todos os poemas de cor. À noite, eu e a minha irmã desfiávamos ao desafio o sonetos de "Sóror Saudade"...
ResponderEliminarDepois nunca mais voltei aos seus versos, comecei a ler a conhecer e a amar a Luísa Neto Jorge, a Fiama, a Maria Velho da Costa...e a Florbela ficou na estante da memória!MJ