Quis
escrever um livro que fizesse as pessoas chorarem de alegria, não de tristeza.
Senti que precisávamos de uma catarse.
Beth
Morrey
Ser ou não ser UP-LIT,
eis a questão desta crónica. Como cada início de ano traz algumas novidades,
apresento-vos a UP-LIT, um novo género literário inaugurado pela necessidade de
catarse da humanidade leitora, mas de positivismo, nas palavras de Beth Morrey,
autora do aclamado livro “The Love Story of Miss Carmichael”. A este respeito,
Martha Ashby, da editora Harper Collins, diz que «os leitores estão a gravitar
em direcção a histórias que os façam sentir esperançosos e tranquilos em
relação ao mundo. Livros que nos relembrem que nem tudo é mau».
UP-LIT: os livros que nos dão esperança? |
Então, vejamos “o que nos dizem os grandes grupos editoriais”, no que respeita à crescente procura dos leitores e aos fenómenos de vendas, de acordo com uma notícia publicada na revista ESTANTE (Fnac). Ora, estando o mundo a passar por crises sucessivas, propagadas até à exaustão pelas estações de televisão e de rádio, jornais e redes sociais, a toda a hora deparamo-nos com notícias que relatam tensões: políticas, económicas, sociais. O negativismo é moeda corrente nas relações e na comunicação humanas. Numa pessoa mais ou menos equilibrada, de um modo geral, a psicologia faz o seu trabalho e instiga à procura de contrapesos para suportar todo esse negativismo. Assim, as pessoas procuram os seus paraísos interiores, os tais refúgios por vezes encontrados nos territórios da dita “sociedade do espectáculo” - a música comercial, o filme cómico, o teatro de revista, a literatura de cordel. Até aqui, nada a opor: cada um procura o que lhe falta em determinado momento catártico da sua vida.
Analisando agora o que
acontece na cena literária, verificamos que é nesta fronteira do entretenimento
que aparece a “nova ordem” (?) de oferta-procura dos títulos em destaque nas
grandes superfícies, a UP-LIT. O conceito é uma apropriação literária de
“uplifting”, termo em inglês que significa “inspiradora” ou “edificante”, e diz
respeito a narrativas que exploram temas sombrios, mas num tom optimista
pautado pela esperança, do tipo “corre tudo mal mas vai acabar tudo bem sabe-se
lá como”; os protagonistas lutam para superar as suas adversidades e “inspiram”
os leitores a seguirem o exemplo: uma espécie de conto de fadas dos tempos
modernos com intenções aforísticas de conteúdo duvidoso à mistura. Estes
romances de auto-ajuda e de crescimento pessoal, para terem muito êxito,
precisam de uma premissa que estará ao alcance da maioria dos escritores: a
história deve ser contada através de frases simples e fáceis de entender pelos
leitores que apenas querem divertir-se com a leitura, não pretendendo, de modo
algum e por oposição, entregar-se à obra difícil, de ideias e conceitos, que os
obrigue a pensar. Porque para pensar, estão aí os “outros” – os intelectuais,
os filósofos, os escritores chatos, que terão, espero eu, os seus próprios
leitores.
A ideia dos romances
“feel good” não é nova. Um dos grandes êxitos a nível mundial, geralmente
consagrados pela versão cinematográfica da obra, foi “Um Homem Chamado Ove” de
Fredrik Bachman, publicado em 2012. Seguiram-se outros exemplos: “A Improvável
Viagem de Harold Fry” de Rachel Joyce; “A Educação de Eleanor” de Gail
Honeyman; “Lincoln no Bardo” de George Saunders; “A Tua Segunda Vida Começa
Quando Percebes Que Não Terás Outra” de Raphaëlle Giordano; “O Homem que Foi
para Marte Porque Queria Estar Sozinho” de David M. Barnett; “Como Parar o
Tempo” de Matt Haig. E muitos, muitos outros já traduzidos para português,
facilmente encontrados numa Fnac perto de si.
Mas agora eis a questão:
ser ou não ser UP-LIT? Queremos realmente ler esses livros que contam histórias
tão extraordinárias e que foram publicados para serem sucessos de vendas? Os
que se lêem de um fôlego, os que são tão bonitos e comoventes, os que são cor-de-rosa,
os que são de fácil leitura até para um adolescente, os que distraem, os que
são arrebatadores, os que são hilariantes e encantadores, os que servem de divã
terapêutico? Já se percebeu o tom destas obras, não é necessário ir mais além.
Aliás, basta ler as críticas pejadas de adjectivos da imprensa de referência e
as badanas dos próprios livros – marketing de vendas falacioso - para ficarmos
“convencidos” da sua relevância na montra literária: assombroso, original,
comovente, inspirador, envolvente. E sobre quem escreve, a informação ainda é
mais exuberante, pois o leitor poderá ler na badana de cada livro um veredicto
definitivo sobre o lugar que aquele autor ocupa na hierarquia literária,
geralmente algo como “um dos mais promissores escritores da actualidade”, “um
escritor incontornável”, etecetera. Cada livro é “o livro” que o leitor tem de
comprar compulsivamente, através da instrumentalização psicológica do conteúdo
da respectiva badana. Os leitores querem ser informados sobre os livros em que
vão gastar o seu dinheiro, mas não querem ser enganados. Então porque nos
contam tantas mentiras?
Em resumo: se alguém
falar de um livro ou de um autor é para sugerir que é “o melhor livro” escrito
pelo “melhor escritor” (a sério que é?...).
Ser UP-LIT? Não, muito obrigada.
Ser UP-LIT? Não, muito obrigada.
Nunca se viu tantas publicações de literatura light, quer os temas sejam cor-de-rosa quer falem de doenças e como alguns as ultrapassam... e por aí adiante. Alguns referem-na como leitura que se pode ler na praia...Não posso concordar, ou se trata de boa literatura e vale a pena lê-la e reflectir com ela, ou é lixo tóxico que só serve para poluir o ambiente.
ResponderEliminarHá autores que vale a pena ler e reler sempre e recomendá-los aos amigos, não são de leitura fácil, mas deixam-nos deslumbrados. O último livro de RUI NUNES, "SUÍTE e FÚRIA" é uma das raridades que nos deslumbram...MJ