LÓGOS –
Biblioteca do Tempo realizou uma série de entrevistas a 7 poetas
portugueses, cujo questionário (com base em citações de autores universais) foi
igual para todos excepto a última questão, mais pessoal. A particularidade
deste projecto foca-se no facto de nenhum dos poetas contactados ter tido
conhecimento das respostas dos seus pares. As 7 entrevistas serão
posteriormente publicadas na revista LÓGOS – Biblioteca do Tempo.
LÓGOS:
Paul Éluard disse (e cito de memória) que poeta é aquele que inspira, e não
aquele que é inspirado. Ora, como parece haver mais “poetas” do que leitores de
poesia, somos efectivamente um país de “inspirados”?
LUÍS
QUINTAIS: Toda a poesia (toda a literatura) é interpelação.
Nesse sentido, os poetas e os seus leitores coincidem também nesse ponto. São
inspirados e inspiradores. O Éluard não tem razão. A afirmação de que há mais
poetas do que leitores, de que somos um país de inspirados, só pode ser
irónica. De facto, nunca se publicou tanta poesia como hoje. Tanta poesia má,
diga-se. Aliás, os melhores poetas do nosso tempo devem estar soterrados sob
pilhas de lixo. Como não sabemos o que é poesia (mesmo que sejamos capazes de
reconhecer o que é má poesia), com tanto lixo ficamos a saber ainda menos. Ou
seja, é o desnorte total. O marasmo. E veio para ficar.
LÓGOS:
“O que distingue um grande poeta é o facto de ele nos dizer algo que ninguém
ainda disse, mas que não é novo para nós.” Partindo deste pressuposto de Ortega
y Gasset, qual é o teu «ponto de partida» para a construção de um poema?
LUÍS
QUINTAIS: Não tenho um ponto de partida. Não existe
conhecimento, apenas aventura e experiência (diz, mais ou menos sob esta forma,
Virginia Woolf em The Waves). Ou
seja, os poemas são o resultado de uma longa e densa imersão na linguagem. Como
diz também Auden, o poeta é alguém profundamente apaixonado pela linguagem.
Acho que é basicamente isso que me move, o que não constitui um ponto de
partida.
LÓGOS:
A maior verdade de um poeta é pôr o mundo a falar nos seus versos? É uma
tragédia se não o entendem no seu tempo? Tens consciência da «utilidade» da tua
poesia no mundo?
LUÍS
QUINTAIS: Acho que não tem utilidade nenhuma. A mim,
preenche-me os dias. Ler poesia e escrever poesia são parte dessa aventura na
linguagem. Aliás, o que me interessa é inútil. Não gosto particularmente desse
mundo de utilidade e função que parece estar por todo o lado, com resultados
catastróficos para a inteligência, sensibilidade e bom senso.
LÓGOS:
“O poeta não exagera profundamente, mas amplamente” (Mattew Arnold). És
tentado, como poeta, a destruir a linguagem para criar outra linguagem?
LUÍS
QUINTAIS: É impossível criar outra linguagem. Não existem
linguagens privadas, como nos mostrou Wittgenstein. As palavras estão gastas. É
a nossa aceitação desse dado que nos pode tornar, hoje, poetas mais atentos às
possibilidades da linguagem. Já tudo foi dito, redito, feito, refeito.
LÓGOS:
Nadine Gordimer disse que “A poesia é ao mesmo tempo um esconderijo e um altifalante”.
Quanto da tua poesia é mistério e «leitura infinita»?
LUÍS
QUINTAIS: Ela permanece um mistério para mim desde o início.
Eu não controlo os meios de expressão integralmente, e tudo o que escrevo é
também uma discussão ou interpelação dessa falha. Uma falha que habita a
linguagem. Que habita o pensamento. Uma falha é uma abertura para esse
infinito, para essa possibilidade.
LÓGOS:
“Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor
que não surja mesmo” (John keats). Qual é a tua opinião sobre esta floresta de
poetas que cresce imparável numa eterna falsidade de vozes?
LUÍS
QUINTAIS: É ruído, confusão, marasmo. Apesar de defender que
a poesia é uma manifestação do irracional ou do inconsciente – «Poetry must be irrational» (Wallace
Stevens) –, eu não acredito muito na espontaneidade. Hoje há muita
espontaneidade, para não dizer impulsividade. Daí o carácter manifestamente
falso e equívoco do que aparece sob o rótulo de poesia.
LÓGOS:
A poesia é confissão? Ou uma filosofia do espírito que nomeia a vida?
LUÍS
QUINTAIS: Pode ser isso tudo, e muito mais. Em boa verdade
não sei. Sei apenas que é uma procura na
linguagem, e que essa procura não é um derrame (o que, por vezes, aparece sob a
designação de confissão) nem é filosofia, isto é, uma indagação em nome do
conhecimento ou da virtude. Seja como for, há poetas confessionais e poetas com
preocupações filosóficas que me interessam muito.
LÓGOS:
Nathalie Sarraute: “A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível.” Já
algum crítico conseguiu evidenciar na tua obra o que pretendeste,
deliberadamente, que permanecesse invisível numa primeira leitura?
LUÍS
QUINTAIS: Nada se esconde na minha poesia. Tudo está à
superfície. Mesmo o invisível ou o opaco é aparente. Depois há significados
partilhados, nomes, objectos, referências intertextuais, situações, contextos.
Até aí chegam sempre os leitores atentos (um crítico não é mais do que isso). O
invisível é visível sem mediação.
LÓGOS:
“A poesia não é uma questão de sentimentos, é uma questão de linguagem. É
linguagem que cria sentimentos” (Umberto Eco). Consideras que a verdadeira
poesia é uma arte cheia de regras e técnicas e que procura ter uma boa relação
com os sentimentos?
LUÍS
QUINTAIS: Como disse atrás, a poesia é experiência na linguagem. Nada escapa à linguagem. A
poesia pode trair as regras e as convenções linguísticas (sintáticas,
semânticas), mas não pode trair a experiência na linguagem. Como deve ter
reparado, prefiro falar de experiência (e não de sentimentos).
LÓGOS:
Que recordações mais te marcaram na tua passagem pelo D.N Jovem, tendo em conta
que eras nesse tempo (década de 80) um jovem poeta que revelava publicamente os
seus primeiros poemas?
LUÍS
QUINTAIS: O DN Jovem está muito associado à minha vida em
Lisboa nos idos anos oitenta. Tempos de uma certa inocência que, para o bem e
para o mal, desapareceu quase integralmente. Aos vinte anos é-se muito
inocente.
Biografia:
Luís Quintais nasceu em 1968. Poeta, ensaísta, antropólogo e professor junto da Universidade de Coimbra. Publicou treze livros de poesia: A imprecisa melancolia (1995); Lamento (1999); Umbria (1999); Verso antigo (2001); Angst (2002); Duelo (2004); Canto onde (2006); Mais espesso que a água (2008); Riscava a palavra
luisquintaisweb.wordpress.com
Sem comentários:
Enviar um comentário