terça-feira, 19 de setembro de 2017

7 UNIVERSOS DE POESIA | AMADEU BAPTISTA

LÓGOS – Biblioteca do Tempo realizou uma série de entrevistas a 7 poetas portugueses, cujo questionário (com base em citações de autores universais) foi igual para todos excepto a última questão, mais pessoal. A particularidade deste projecto foca-se no facto de nenhum dos poetas contactados ter tido conhecimento das respostas dos seus pares. As 7 entrevistas serão posteriormente publicadas na revista LÓGOS – Biblioteca do Tempo.


LÓGOS: Paul Éluard disse (e cito de memória) que poeta é aquele que inspira, e não aquele que é inspirado. Ora, como parece haver mais “poetas” do que leitores de poesia, somos efectivamente um país de “inspirados”?

AMADEU BAPTISTA: Não acredito na inspiração. O que faço com a minha criatividade advém de um longo e aturado trabalho, que se tem vindo a desenvolver durante toda a minha vida. O toque de diferença reside, talvez, na obstinação com que me meto à tarefa de escrever, o que é, presumo, pouco comum, ou só comum aos artistas.

LÓGOS: “O que distingue um grande poeta é o facto de ele nos dizer algo que ninguém ainda disse, mas que não é novo para nós.” Partindo deste pressuposto de Ortega y Gasset, qual é o teu «ponto de partida» para a construção de um poema?

AMADEU BAPTISTA: Parto para o poema em busca do fascínio, porventura em busca do que também possa ser novo na minha experiência. Para me surpreender e para me fascinar; e para meu gozo pessoal, sem dúvida. Se essa busca resultar, fico de bem comigo – e melhor ficarei se o resultado coincidir com a experiência do potencial leitor.

LÓGOS: A maior verdade de um poeta é pôr o mundo a falar nos seus versos? É uma tragédia se não o entendem no seu tempo? Tens consciência da «utilidade» da tua poesia no mundo?

AMADEU BAPTISTA: Não tenho verdades e não sou dos que definem a poesia como uma inutilidade, nunca fui. Cada um dos nossos gestos empreende sempre alguma coisa, mesmo que venha para destruir, mesmo que almeje à destruição. Por mim, dou apenas o que posso e sei, um modesto contributo para a minha satisfação e a satisfação dos outros, se é que isso é possível.

LÓGOS: “O poeta não exagera profundamente, mas amplamente” (Mattew Arnold). És tentado, como poeta, a destruir a linguagem para criar outra linguagem?

AMADEU BAPTISTA: Escrevo com a minha linguagem. A minha linguagem resulta de uma dialética que tem como pressupostos a construção e a desconstrução. Exactamente como me foi dado observar na aprendizagem da vida. Pensar, escrever e rasurar – um ciclo que nunca se completa, mas que é a pedra de toque do que faço.

LÓGOS: Nadine Gordimer disse que “A poesia é ao mesmo tempo um esconderijo e um altifalante”. Quanto da tua poesia é mistério e «leitura infinita»?

AMADEU BAPTISTA: Mais uma definição de poesia, esta – como milhões de outras, que já foram enunciadas. Quando Safo saltou da Falésia Branca em Lefkada saberia o que fosse a poesia a ponto de a definir? Não será o mistério o que todos procuram, poetas ou não? Convivo mal com o meu mistério, só isso sei; mas é a leitura infinita que me resta, a frágil tábua a que precariamente me agarro para me iludir e para me desiludir.

LÓGOS: “Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo” (John keats). Qual é a tua opinião sobre esta floresta de poetas que cresce imparável numa eterna falsidade de vozes?

AMADEU BAPTISTA: Adoro bosques e florestas, recintos sagrados. E adoro clareiras. Quanto aos outros poetas, não me cabe julgá-los e incito-me a aceitar cada um o mais abrangentemente possível. Quem sabe se um deles consegue ou conseguirá acertar o verso que eu nunca acertei…

LÓGOS: A poesia é confissão? Ou uma filosofia do espírito que nomeia a vida?

AMADEU BAPTISTA: É isso, e uma via para o auto-conhecimento. E o mais que se não sabe o que seja, e o que é, e o que não é, etc., etc.

LÓGOS: Nathalie Sarraute: “A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível.” Já algum crítico conseguiu evidenciar na tua obra o que pretendeste, deliberadamente, que permanecesse invisível numa primeira leitura?

AMADEU BAPTISTA: Não tenho o que se chama grande fortuna crítica. Mas já tive a sorte de ter críticos que me mostraram o que eu não vi no que deixei escrito. Não o que escondi deliberadamente, mas o que a minha ignorância não foi capaz de surpreender. E ainda bem que assim aconteceu.

LÓGOS: “A poesia não é uma questão de sentimentos, é uma questão de linguagem. É linguagem que cria sentimentos” (Umberto Eco). Consideras que a verdadeira poesia é uma arte cheia de regras e técnicas e que procura ter uma boa relação com os sentimentos?

AMADEU BAPTISTA: A poesia é uma técnica, e é uma atitude, e é uma caixa de ressonância dos sentimentos. Tudo está ligado. Não concebo uma obra de arte que não toque o coração, de alguma forma. Assim como não concebo que uma obra de arte não tenha subjacente alguma técnica.

LÓGOS: O reconhecimento é a eternidade do poeta?

AMADEU BAPTISTA: Respondo assim: 70 anos após a morte de Shakespeare a sua obra estava praticamente esquecida; por outro lado, Guimarães Rosa dizia só entender a eternidade como um período de 600 anos, com início no dia da sua morte. Por mim, não acredito numa coisa nem noutra: nem no reconhecimento, que nunca senti (nem creio que venha a sentir, ou acredite que tal me interesse), nem na eternidade, pela simples facto de quando a chegar eternidade eu já não estarei cá há muito tempo.

Biografia:
Amadeu Baptista nasceu no Porto, a 6 de Maio de 1953.

OBRAS
Poesia
As Passagens Secretas. Coimbra, Fenda Edições, 1982
Green Man & French Horn. In Vários, A Jovem Poesia Portuguesa /2. Porto, Limiar, 1985.
Maçã. Prémio José Silvério de Andrade – Foz Côa Cultural, 1985. Porto, Limiar, 1986.
Kefiah. Viana do Castelo, Centro Cultural do Alto Minho, 1988.
O Sossego da Luz. Porto, Limiar, 1989.
Desenho de Luzes. Corunha, Amigos de Azertyuiop, 1997.
Arte do Regresso. Pelo primeiro capítulo deste livro, Cúmplices, recebeu o Prémio Pedro Mir, na  categoria de Língua Portuguesa, promovido pela revista Plural, da Cidade do México, em 1993. Porto, Campo das Letras, 1999.
As Tentações. Santarém, Edição «O Mirante», 1999.
A Sombra Iluminada. In Vários, Douro: Um Percurso de Segredos… S/l, Instituto de Navegabilidade do Douro, Campo das Letras, 2000.
A Noite Ismaelita. Guimarães, Pedra Formosa, 2000.
A Construção de Nínive. Porto, Edições Mortas, 2001.
Paixão. Prémio Vítor Matos e Sá, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2001 e Prémio Teixeira de Pascoaes, 2004. Porto, Afrontamento, 2003.
Sal Negro. Com fotografias de Rosa Reis, sob o título Sal Branco. Almada, Íman Edições, 2003.
O Som do Vermelho – Tríptico Poético sobre Pintura de Rogério Ribeiro. Porto, Campo das Letras, 2003.
O Claro Interior. Prémio de Poesia e Ficção de Almada – 2000 / poesia. Almada, Íman Edições, 2004.
Salmo. Porto, Edições Asa, 2004.
Negrume. Lisboa, & Etc, 2006.
Antecedentes Criminais (Antologia Pessoal 1982-2007). Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2007.
O Bosque Cintilante. Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, 2007. Vila Nova de Azeitão, edição das Juntas de Freguesia de S. Lourenço e S. Simão, 2007.
O Bosque Cintilante. Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, 2007. Maia, Cosmorama, 2008.
Outros Domínios (Clamor por Florbela Espanca). Prémio Literário Florbela Espanca, 2007. Vila Viçosa, edição da Câmara Municipal de Vila Viçosa, 2008.
Sobre as Imagens. Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica, 2008. Maia, Cosmorama, 2008.
Poemas de Caravaggio. Prémio Nacional de Poesia Natércia Freire, 2007 e Prémio Literário João Lúcio, 2008. Maia, Cosmorama, 2008
Os Selos da Lituânia. Prémio Edmundo Bettencourt/Cidade do Funchal – 2008. Lisboa, & Etc, 2008.
Doze Cantos do Mundo. Prémio Oliva Guerra, 2008. Sintra, edição da Câmara Municipal de Sintra, 2009.
Escalpe. Lisboa, & Etc, 2009.
O Ano da Morte de José Saramago. Lisboa, & Etc. 2010.
Outros Domínios (Clamor por Florbela Espanca). Prémio Literário Florbela Espanca, 2007. Coimbra, Temas Originais, 2011.
Açougue. Lisboa, & Etc, 2012.
Atlas das Circunstâncias. Prémio Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage, 2009. Póvoa da Santa Iria, Lua de Marfim, 2012.
Fragmentos Tunisinos. Nazaré, Volta d’Mar, 2014.
Sistina. Prémio Literário António Cabral, 2011. Porto, Edita-me, 2014.
Um Pouco Acima da Miséria. Prémio de Poesia Cidade de Ourense, 2013. Lisboa, &Etc, 2014.
Vida Breve. Fafe, Labirinto, 2014.
Fragmentos de Veneza. Póvoa da Santa Iria, Lua de Marfim, 2016.
O Arco Sírio. Póvoa de Santa Iria, Lua de Marfim, 2016.
Caudal de Relâmpagos (Antologia Pessoal 1982-2017).  Viseu, Edições Esgotadas, 2017.

Prosa:
Estrela De Bizâncio. Prémio de Poesia e Ficção de Almada – 2005 / prosa. Torres Vedras, Edições Livro do Dia, 2010.

Infanto-juvenil:
Os Cavalos a Correr. Com ilustrações de Estela Baptista Costa. Vila Nova de Gaia, Trinta por uma Linha, 2008.
O Sonho do Elefante Tomé. Com ilustrações de Isabel Rocha Leite. Porto, Trinta por uma Linha, 2009.
Zoo Musical. Com ilustrações de Ana Biscaia. Vila Nova de Gaia, Calendário de Letras, 2010.
O Poeta e o Burro. Com ilustrações de Raquel Pinheiro. Matosinhos, QuidNovi, 2010.
A História Maravilhosa dos Três Pastorinhos de Fátima. Com ilustrações de Raquel Pinheiro. Matosinhos, QuidNovi, 2011.

Poesia - livros publicados no estrangeiro:
Negrume. São Paulo, Brasil, Lumme Editor, 2007.
Balada da Neve e Outros Poemas. Maputo, Moçambique, edição da Escola Portuguesa de Moçambique, 2007.
Açougue. Prémio Espiral Maior, 2008. Culleredo, Galiza, Espanha, Espiral Maior, 2008.
Um Pouco Acima da Miséria. Prémio de Poesia Cidade de Ourense 2013. Galiza, Espanha, Culleredo, Espiral Maior, 2014.

Inédito:
Ondina. Prémio Literário Maria Ondina Braga, 2017.

Organização de antologias:
Quanta Terra!!! – Poesia e Prosa Brasileira Contemporânea. Almada, Casa da Cerca, 2001.
Álbum de Acenos – Antologia de Poesia e Fotografia. Almada, edição Imaginarte, 2001.
Poesia Digital – 7 poetas dos anos 80. Em colaboração com José Emílio-Nelson. Porto, Campo das Letras, 2002.
Divina Música – Antologia de Poesia sobre Música. Viseu, edição do Conservatório Regional de Viseu, 2009.

Colaboração dispersa em jornais, revistas, livros colectivos e antologias nos seguintes países; Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, E.U.A., Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Luxemburgo, México, Portugal, Roménia e Uruguai. Alguns dos seus poemas foram traduzidos para alemão, castelhano, catalão, croata, francês, hebraico, inglês, italiano e romeno. Tradutor de poetas espanhóis, gregos e escandinavos. É membro da Associação Portuguesa de Escritores e do PEN Clube Português.

https://escritores.online/escritor/amadeu-baptista/ 

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