LÓGOS – Biblioteca do Tempo realizou uma série de
entrevistas a 7 poetas portugueses, cujo questionário (com base em citações de
autores universais) foi igual para todos excepto a última questão, mais
pessoal. A particularidade deste projecto foca-se no facto de nenhum dos poetas
contactados ter tido conhecimento das respostas dos seus pares. As 7
entrevistas serão posteriormente publicadas na revista LÓGOS – Biblioteca do
Tempo.
LÓGOS: Paul Éluard disse (e cito de memória) que poeta é
aquele que inspira, e não aquele que é inspirado. Ora, como parece haver mais
“poetas” do que leitores de poesia, somos efectivamente um país de
“inspirados”?
AMADEU BAPTISTA: Não acredito na inspiração. O que faço com
a minha criatividade advém de um longo e aturado trabalho, que se tem vindo a
desenvolver durante toda a minha vida. O toque de diferença reside, talvez, na
obstinação com que me meto à tarefa de escrever, o que é, presumo, pouco comum,
ou só comum aos artistas.
LÓGOS: “O que distingue um grande poeta é o facto de ele
nos dizer algo que ninguém ainda disse, mas que não é novo para nós.” Partindo
deste pressuposto de Ortega y Gasset, qual é o teu «ponto de partida» para a
construção de um poema?
AMADEU BAPTISTA: Parto para o poema em busca do fascínio,
porventura em busca do que também possa ser novo na minha experiência. Para me
surpreender e para me fascinar; e para meu gozo pessoal, sem dúvida. Se essa
busca resultar, fico de bem comigo – e melhor ficarei se o resultado coincidir
com a experiência do potencial leitor.
LÓGOS: A maior verdade de um poeta é pôr o mundo a falar
nos seus versos? É uma tragédia se não o entendem no seu tempo? Tens consciência
da «utilidade» da tua poesia no mundo?
AMADEU BAPTISTA: Não tenho verdades e não sou dos que
definem a poesia como uma inutilidade, nunca fui. Cada um dos nossos gestos
empreende sempre alguma coisa, mesmo que venha para destruir, mesmo que almeje
à destruição. Por mim, dou apenas o que posso e sei, um modesto contributo para
a minha satisfação e a satisfação dos outros, se é que isso é possível.
LÓGOS: “O poeta não exagera profundamente, mas amplamente”
(Mattew Arnold). És tentado, como poeta, a destruir a linguagem para criar
outra linguagem?
AMADEU BAPTISTA: Escrevo com a minha linguagem. A minha
linguagem resulta de uma dialética que tem como pressupostos a construção e a
desconstrução. Exactamente como me foi dado observar na aprendizagem da vida.
Pensar, escrever e rasurar – um ciclo que nunca se completa, mas que é a pedra
de toque do que faço.
LÓGOS: Nadine Gordimer disse que “A poesia é ao mesmo tempo
um esconderijo e um altifalante”. Quanto da tua poesia é mistério e «leitura
infinita»?
AMADEU BAPTISTA: Mais uma definição de poesia, esta – como
milhões de outras, que já foram enunciadas. Quando Safo saltou da Falésia
Branca em Lefkada saberia o que fosse a poesia a ponto de a definir? Não será o
mistério o que todos procuram, poetas ou não? Convivo mal com o meu mistério,
só isso sei; mas é a leitura infinita que me resta, a frágil tábua a que
precariamente me agarro para me iludir e para me desiludir.
LÓGOS: “Se a poesia não surgir tão naturalmente como as
folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo” (John keats). Qual é a tua
opinião sobre esta floresta de poetas que cresce imparável numa eterna
falsidade de vozes?
AMADEU BAPTISTA: Adoro bosques e florestas, recintos sagrados. E adoro
clareiras. Quanto aos outros poetas, não me cabe
julgá-los e incito-me a aceitar cada um o mais abrangentemente possível. Quem
sabe se um deles consegue ou conseguirá acertar o verso que eu nunca acertei…
LÓGOS: A poesia é confissão? Ou uma filosofia do espírito
que nomeia a vida?
AMADEU BAPTISTA: É isso, e uma via para o
auto-conhecimento. E o mais que se não sabe o que seja, e o que é, e o que não
é, etc., etc.
LÓGOS: Nathalie Sarraute: “A poesia numa obra é o que faz
aparecer o invisível.” Já algum crítico conseguiu evidenciar na tua obra o que
pretendeste, deliberadamente, que permanecesse invisível numa primeira leitura?
AMADEU BAPTISTA: Não tenho o que se chama grande fortuna
crítica. Mas já tive a sorte de ter críticos que me mostraram o que eu não vi no
que deixei escrito. Não o que escondi deliberadamente, mas o que a minha
ignorância não foi capaz de surpreender. E ainda bem que assim aconteceu.
LÓGOS: “A poesia não é uma questão de sentimentos, é uma
questão de linguagem. É linguagem que cria sentimentos” (Umberto Eco).
Consideras que a verdadeira poesia é uma arte cheia de regras e técnicas e que
procura ter uma boa relação com os sentimentos?
AMADEU BAPTISTA: A poesia é uma técnica, e é uma atitude, e
é uma caixa de ressonância dos sentimentos. Tudo está ligado. Não concebo uma
obra de arte que não toque o coração, de alguma forma. Assim como não concebo
que uma obra de arte não tenha subjacente alguma técnica.
LÓGOS: O reconhecimento é a eternidade do poeta?
AMADEU BAPTISTA: Respondo assim: 70 anos após a morte de
Shakespeare a sua obra estava praticamente esquecida; por outro lado, Guimarães
Rosa dizia só entender a eternidade como um período de 600 anos, com início no
dia da sua morte. Por mim, não acredito numa coisa nem noutra: nem no reconhecimento,
que nunca senti (nem creio que venha a sentir, ou acredite que tal me interesse),
nem na eternidade, pela simples facto de quando a chegar eternidade eu já não
estarei cá há muito tempo.
Biografia:
Amadeu Baptista nasceu no Porto, a 6 de
Maio de 1953.
OBRAS
Poesia
As Passagens
Secretas. Coimbra, Fenda Edições, 1982
Green Man &
French Horn. In Vários, A
Jovem Poesia Portuguesa /2. Porto, Limiar, 1985.
Maçã. Prémio José Silvério de Andrade – Foz Côa Cultural, 1985.
Porto, Limiar, 1986.
Kefiah. Viana do Castelo, Centro Cultural do Alto Minho, 1988.
O Sossego da
Luz. Porto, Limiar, 1989.
Desenho de
Luzes. Corunha, Amigos de Azertyuiop,
1997.
Arte do
Regresso. Pelo primeiro capítulo deste
livro, Cúmplices, recebeu o Prémio Pedro Mir, na categoria de Língua
Portuguesa, promovido pela revista Plural, da Cidade do México, em 1993.
Porto, Campo das Letras, 1999.
As Tentações. Santarém, Edição «O Mirante», 1999.
A Sombra
Iluminada. In Vários, Douro:
Um Percurso de Segredos… S/l, Instituto de Navegabilidade do Douro,
Campo das Letras, 2000.
A Noite
Ismaelita. Guimarães, Pedra Formosa,
2000.
A Construção
de Nínive. Porto, Edições Mortas,
2001.
Paixão. Prémio Vítor Matos e Sá, da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, 2001 e Prémio Teixeira de Pascoaes, 2004. Porto,
Afrontamento, 2003.
Sal Negro. Com fotografias de Rosa Reis, sob o título Sal
Branco. Almada, Íman Edições, 2003.
O Som do
Vermelho – Tríptico Poético sobre Pintura de Rogério Ribeiro. Porto, Campo das Letras, 2003.
O Claro
Interior. Prémio de Poesia e Ficção de
Almada – 2000 / poesia. Almada, Íman Edições, 2004.
Salmo. Porto, Edições Asa, 2004.
Negrume. Lisboa, & Etc, 2006.
Antecedentes
Criminais (Antologia Pessoal 1982-2007). Vila
Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2007.
O Bosque
Cintilante. Prémio Nacional de Poesia
Sebastião da Gama, 2007. Vila Nova de Azeitão, edição das Juntas de Freguesia
de S. Lourenço e S. Simão, 2007.
O Bosque
Cintilante. Prémio Nacional de Poesia
Sebastião da Gama, 2007. Maia, Cosmorama, 2008.
Outros
Domínios (Clamor por Florbela Espanca). Prémio
Literário Florbela Espanca, 2007. Vila Viçosa, edição da Câmara Municipal de
Vila Viçosa, 2008.
Sobre as
Imagens. Prémio Internacional de
Poesia Palavra Ibérica, 2008. Maia, Cosmorama, 2008.
Poemas de
Caravaggio. Prémio Nacional de Poesia
Natércia Freire, 2007 e Prémio Literário João Lúcio, 2008. Maia, Cosmorama,
2008
Os Selos da
Lituânia. Prémio Edmundo
Bettencourt/Cidade do Funchal – 2008. Lisboa, & Etc, 2008.
Doze Cantos
do Mundo. Prémio Oliva Guerra, 2008.
Sintra, edição da Câmara Municipal de Sintra, 2009.
Escalpe. Lisboa, & Etc, 2009.
O Ano da
Morte de José Saramago. Lisboa, &
Etc. 2010.
Outros
Domínios (Clamor por Florbela Espanca).
Prémio Literário Florbela Espanca, 2007. Coimbra, Temas Originais, 2011.
Açougue. Lisboa, & Etc, 2012.
Atlas das
Circunstâncias. Prémio Literário
Manuel Maria Barbosa du Bocage, 2009. Póvoa da Santa Iria, Lua de Marfim, 2012.
Fragmentos
Tunisinos. Nazaré, Volta d’Mar,
2014.
Sistina. Prémio Literário António Cabral, 2011. Porto, Edita-me,
2014.
Um Pouco
Acima da Miséria. Prémio de Poesia
Cidade de Ourense, 2013. Lisboa, &Etc, 2014.
Vida Breve. Fafe, Labirinto, 2014.
Fragmentos
de Veneza. Póvoa da Santa Iria, Lua de
Marfim, 2016.
O Arco Sírio. Póvoa de Santa Iria, Lua de Marfim, 2016.
Caudal de Relâmpagos (Antologia
Pessoal 1982-2017). Viseu, Edições Esgotadas, 2017.
Prosa:
Estrela De
Bizâncio. Prémio de Poesia e Ficção de
Almada – 2005 / prosa. Torres Vedras, Edições Livro do Dia, 2010.
Infanto-juvenil:
Os
Cavalos a Correr. Com ilustrações de
Estela Baptista Costa. Vila Nova de Gaia, Trinta por uma Linha, 2008.
O Sonho do
Elefante Tomé. Com ilustrações de
Isabel Rocha Leite. Porto, Trinta por uma Linha, 2009.
Zoo Musical. Com ilustrações de Ana Biscaia. Vila Nova de Gaia, Calendário
de Letras, 2010.
O Poeta e o
Burro. Com ilustrações de Raquel
Pinheiro. Matosinhos, QuidNovi, 2010.
A História
Maravilhosa dos Três Pastorinhos de Fátima. Com ilustrações de Raquel Pinheiro. Matosinhos, QuidNovi,
2011.
Poesia -
livros publicados no estrangeiro:
Negrume. São Paulo, Brasil, Lumme Editor, 2007.
Balada da
Neve e Outros Poemas. Maputo,
Moçambique, edição da Escola Portuguesa de Moçambique, 2007.
Açougue. Prémio Espiral Maior, 2008. Culleredo, Galiza, Espanha,
Espiral Maior, 2008.
Um Pouco
Acima da Miséria. Prémio de Poesia
Cidade de Ourense 2013. Galiza, Espanha, Culleredo, Espiral Maior, 2014.
Inédito:
Ondina. Prémio Literário Maria Ondina
Braga, 2017.
Organização
de antologias:
Quanta
Terra!!! – Poesia e Prosa Brasileira Contemporânea. Almada, Casa da Cerca, 2001.
Álbum de
Acenos – Antologia de Poesia e Fotografia. Almada, edição Imaginarte, 2001.
Poesia
Digital – 7 poetas dos anos 80. Em
colaboração com José Emílio-Nelson. Porto, Campo das Letras, 2002.
Divina
Música – Antologia de Poesia sobre Música. Viseu, edição do Conservatório Regional de Viseu, 2009.
Colaboração
dispersa em jornais, revistas, livros colectivos e antologias nos seguintes
países; Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, E.U.A.,
Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Luxemburgo, México, Portugal,
Roménia e Uruguai. Alguns dos seus poemas foram traduzidos para alemão,
castelhano, catalão, croata, francês, hebraico, inglês, italiano e romeno. Tradutor
de poetas espanhóis, gregos e escandinavos. É membro da Associação Portuguesa
de Escritores e do PEN Clube Português.
https://escritores.online/escritor/amadeu-baptista/
https://escritores.online/escritor/amadeu-baptista/
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