Para ensinar, há uma formalidadezinha a cumprir – saber.
Eça
de Queirós (1845-1900),
in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
"A Queda" de Paul Klee |
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HÁ
PESSOAS
que
são como arsenais do conhecimento. Guerreiros prontos a lutar em qualquer
frente. O seu combate diário é uma guerra constante: a aniquilação intelectual
do outro, empanturrado com noções, factos, pontos de vista, ideias,
pressupostos, certezas inabaláveis; os outros, derrubados pelas rajadas de
sabedoria, atrofiam o espírito, resumindo a activação dos seus neurónios a uma
nova app, uma nova série televisiva, um novo vício, uma nova moda.
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ESTÁ
NA MODA
decepar
cabeças através da retórica. Contudo, a barbárie do acto conduz à consequência
inerente à causa, pois por cada velha cabeça decepada nasce, pelo menos, uma
cabeça nova – a Hidra de Lerna, recordam-se? – e tudo muda para que tudo fique
na mesma. A retórica é um monstro ignóbil, mas pode ser combatido.
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O
SILÊNCIO
diz
muito sobre a pessoa que o assume. Gosto de pessoas que se remetem ao silêncio
e nos influenciam com a sua discrição, não se dedicando nunca a caricaturar a
época em que vivem com o ruído da boçalidade. O silencioso detecta a chalaça à
distância e rapidamente coloca os pontos nos is. Por vezes, escreve livros que
vale a pena ler. Malogradamente, são livros desconhecidos, isentos de uma
construção crítica literária. Na verdade, os próprios livros acabam por se
encostar a outros universos de silêncio, nas estantes das casas, nas
prateleiras das livrarias, nos túmulos das bibliotecas.
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A
INCOMPETÊNCIA
de
críticos e editores perpetua pequenas hidras de lerna na mentalidade colectiva
dos leitores. Afinal, o que leva este editor a não querer publicar um bom livro
e o que incita aquele crítico a efabular elogios a um mau livro? Multiplicam-se
os episódios de consagração dos vaidosos e desvanecem-se as possibilidades
redentoras dos silenciados.
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O
TEMPO
é uma arma avassaladora. É céu e é inferno, enquanto andamos pelo purgatório. Podia inventariar uma longa lista de soluções abertas à educação das mentalidades, mas não cairei na esparrela de ousar que domino e compreendo as circunstâncias que me rodeiam. O silêncio é a minha arma. A escrita e a leitura são a minha salvação porque há, pelo menos, uma certeza que me seduz: a literatura é a ferramenta da humanidade sábia.
Adília César,
in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__285