sábado, 13 de junho de 2020

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES*


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

*Soneto de Luís Vaz de Camões
(Lisboa[?], 1524 — Lisboa, 10 de junho de 1579 ou 1580)

 
Foto de Mariana Aguiar

Desde há muito tempo que o dia 10 de junho está conotado com um sentimento português de celebração. Em 1925 a I República proclamou-o como Festa de Portugal. A mesma data foi seguida pelo Estado Novo, elevando-a à categoria de feriado nacional em 1929. No entanto, só em 1952 é que o dia passa a denominar-se como Dia de Portugal, uma vez que o Estado Democrático instituído pelo 25 de abril de 1974 assim o entendeu. Desde 1987 que o dia 10 de junho se celebra como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. O facto de a importância da data vir de longe é bastante original, sendo praticamente “caso único” no mundo segundo a historiadora Maria Isabel João, lembrando que a “maioria esmagadora dos países do mundo escolhe uma data que se relaciona com a fundação do Estado ou do regime político vigente”.

O Dia de Portugal personifica uma identidade nacional enraizada na consciência dos portugueses. É um símbolo histórico-cultural do povo, um valor abstracto validado por uma convenção, algo que representa qualquer coisa para alguém, absolutamente essencial no processo de comunicação no seio de uma comunidade. Os símbolos funcionam como sinais que nos ajudam a chegar a um pensamento conceptual comum, neste caso, a assunção do conceito de portugalidade que é diferente do portuguesismo.

Este último Dia de Portugal – 10 de junho de 2020 – celebrou-se em plena pandemia de coronavírus, a qual não pode ser ignorada. São tempos que vão ficar na história de toda a humanidade; estão a ser escritos neste preciso momento, também aqui neste pequeno país. É uma história que não sabemos como vai acabar. Quem dá voz aos tempos de inquietação e receio? Somos portugueses e estamos juntos. Temos sol, mar e esperança. Somos poetas e sabemos que o poema de Camões nos abre o caminho da resistência e da cura, através da mudança. Temos opinião, somos declamadores de alma e coração, e arranjamos sempre maneira de ficar tudo bem, encontrando soluções criativas para os problemas de todos os dias.

Afinal, ser português é tudo valer a pena porque a nossa alma não é pequena, é aguentarmos todas as mudanças, ainda que pandémicas. Também não será um vírus que nos vai derrubar, porque ser português é acreditar em tudo e duvidar de tudo. Entre a portugalidade e o portuguesismo, o nosso instinto individual e colectivo vai encontrar o caminho necessário à vida. E isso é Portugal.

Adília César
https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__252

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