Na verdade, você não
pode encontrar um livro de Minou Drouet em qualquer livraria de Paris, nem
mesmo o seu sucesso fenomenal Arbre, Mon Ami, que
foi publicado há pouco mais de cinquenta anos - no começo de 1956 - pelo
agressivo René Julliard, que no ano anterior havia conseguido um triunfo
internacional com Bonjour Tristesse, de Françoise
Sagan . Mas Sagan tinha dezoito anos; Minou tinha oito anos.
Robert Gottlied in “A
Lost Child” (2006)
Minou nasceu em julho
de 1947 e foi adoptada por Claude Drouet, professora particular e aspirante a
poetisa. A menina evidenciava problemas sérios de saúde: era quase cega e
comportava-se de modo muito alheado, tendo dificuldade em relacionar-se com as
outras crianças. Diz-se que até aos seis anos de idade nunca pronunciou uma
palavra. Talvez por estes motivos de recolhimento interior, as suas emoções
eram dedicadas quase inteiramente à natureza – os pássaros e outros animais, a
grande árvore do jardim. Claude Drouet amou aquela criança para além do
esperado, acreditando que através desse amor seria possível transformar um bebé
doentio e fechado numa menina saudável, feliz e criativa. Não se sabe bem como
começou esse milagre do desabrochar, do despertar para o mundo. Toda a infância
de Minou foi cercada de mistérios e ambiguidades, e vários médicos afirmaram
que ela nunca seria uma criança normal.
Minou Drouet |
Em 1954 teve início um
processo extraordinário de desenvolvimento do caso Minou: por volta dos
8 anos de idade a criança começou as suas lições de piano com Ninette Ellia, a
quem escreveu cartas e poemas; por sua vez, a tutora mostrou-as ao Professor
Vallery-Radot da Academia Francesa, que ficou fascinado e dela falou ao editor
René Julliard; este veio a conhecer Minou pouco tempo depois. Entretanto, a menina fez uma cirurgia e
recuperou a visão. Julliard fez uma edição privada de um livreto com uma
selecção de poemas e de cartas de Minou e a controvérsia instalou-se. Os
textos, de grande qualidade literária, implicavam indiscutivelmente a questão
da sua autoria: seria a criança ou a mãe, uma poetisa considerada de segunda
categoria? Um sem número de acções de diversos quadrantes da sociedade francesa
e até internacional moveram todas as estratégias ao alcance numa tentativa de
decifrar a personalidade poética de Minou Drouet: entrevistas à família,
artigos de opinião, testes de competência. A 14 de janeiro de 1956, René
Juillard publicou o primeiro livro de Minou – Arbre, Mon Ami – com 21
poemas e algumas cartas que ela escreveu para diversas pessoas: uma imaginação
extravagante, metáforas poderosas, neologismos, uma enorme sensibilidade. E
nada disto se sintonizava com uma menina daquela idade. Seria Minou Drouet uma
criança prodígio ou uma farsa? O livro teve sucesso imediato, vendendo quarenta
e cinco mil cópias em poucos meses. A batalha literária continuou por mais
algum tempo, a par dos filmes, canções, entrevistas, programas de televisão. Um
boom mediático e avassalador que explorou o caso Minou Drouet até à
exaustão, com posições altamente contrárias evidenciadas por personalidades
relevantes do meio cultural da época – escritores, jornalistas, críticos de
arte. Nunca se chegou a uma conclusão válida.
“Eu era uma criança perdida,
eu era apenas um animal patético, que crime cometi para ser perseguida desta
maneira?”, perguntou ela. Mas não houve resposta. Depois de ter publicado um
segundo livro de poesia em 1959 – Le Pêcheur de Lune – ela começou a
desistir. Tentou escrever fábulas, romances, e também seguir carreira como
cantora, estudou enfermagem, casou com o artista e cronista de rádio Patrick
Font e divorciou-se de seguida. O impulso irresistível para escrever tinha-a
abandonado aos 14 anos e pouco a pouco remeteu-se ao silêncio. Mas ela encontrou
uma forma de sobreviver: deixou cair a Minou da infância e tornou-se Madame Le
Canou, instalando-se na localidade de La Guerche-de-Bretagne – onde poucos
habitantes conhecem o seu passado. Era o preço que estava disposta a pagar.
Minou Drouet |
É
possível encontrar a bela mulher loira de 72 anos a fazer compras no mercado; já
não escreve e recusa-se a dar entrevistas. Apetecia-me perguntar-lhe: “Minou
Drouet, és um génio ou uma fraude?”, mas sei que não obteria resposta. Há
machados de guerra que devem ficar enterrados. O caso Minou Drouet foi
considerado o maior enigma literário do século XX.
Adília César
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