LÓGOS: O tempo, que tudo cria, também
destrói. O tempo da sua infância, em que já sentia o apelo dos livros e da
leitura. O tempo da sua juventude, em que os sonhos se materializaram em
projectos relevantes – foram tempos de uma vida dedicada à edição e à
literatura. Hoje, sente-se traído por este tempo em que vive?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: O tempo para além de ser
um grande escultor é também um grande inimigo. O sonho é a grande arma de qualquer
realização pessoal e colectiva. Quem vive uma já longa vida dedicada aos livros
e à literatura não pode nunca sentir-se traído pelo tempo. As coisas são o que
são. E por maior que seja a vontade, os ponteiros do relógio não andam
para trás. Desde que me recordo de mim, em especial a partir da
escola primária, os livros foram um fascínio e neles encontrei a razão de
vida. Mas não lamento nada. É claro que a distância desses tempos me obriga a
concluir que se recomeçasse faria algumas coisas de maneira diferente.
LÓGOS: Foi fundador da Editora Ulmeiro,
mas também passou pelas Edições Itaú e esteve na origem da Assírio & Alvim.
Como é que entrou no mundo da edição?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: O meu percurso começou na
Livraria Obelisco, da Amadora (Reboleira), em 1968, as Edições Itaú onde editei
esse fabuloso livrinho A CRIANÇA E A VIDA, da Maria Rosa Colaço e, entre outros,
o poster OS ESTATUTOS DO HOMEM, do Thiago de Mello. Em 1969 aparece a
Ulmeiro, e a Assírio & Alvim em 1972. Cheguei a trabalhar na propaganda
médica, mas já nessa altura colaborava com as livrarias e editoras que ajudei a
fundar, por isso sempre me considerei livreiro e editor.
LÓGOS: Tanto a Editora Ulmeiro
como a livraria eram espaços de resistência à censura no tempo do Estado Novo.
Como fazia chegar aos leitores o que se considerava na altura «livros
proibidos»? Há algum episódio que nos queira contar?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: Vivi intensamente a
resistência contra a Censura e pela Liberdade de Expressão, tendo o meu nome em
vários Manifestos entre os quais o MANIFESTO dos 101 católicos contra a Guerra
Colonial em 1965, e o Manifesto Pela Liberdade de Expressão em
1972. Participei também no movimento das Cooperativas Culturais, tendo
sido Vice-Presidente da Direcção da VIS, na Amadora. Com o encerramento das
cooperativas culturais no consulado marcelista pareceu-me que era necessário
encontrar novas formas de resistência e de animação e agitação cultural. A
Ulmeiro aparece nesse contexto. Os chamados "livros proibidos" eram
fáceis de divulgar. Havia uma grande procura e a Ulmeiro era um alvo habitual
da PIDE não só na livraria, mas das nossas edições e no trabalho de
distribuição. Tenho histórias engraçadas como as apreensões de livros de
Lenine, Estaline e Racine, para não falar desse livro perigosíssimo com o
título de MANUAL DO BETÃO ARMADO! Uma vez a apreensão visou os posters do ITAÚ.
Um deles tinha a imagem de um casal de namorados e um poema de A CRIANÇA E A
VIDA: "O Amor é um pássaro azul/ num campo verde/ no alto da
madrugada". No próprio dia da apreensão deste poster o Pide voltou à
livraria ao fim da tarde e disse-me: "eu sei que ainda deve ter aquele
poster dos namorados, queria oferecê-lo à minha namorada".
LÓGOS: Também escreveu no
suplemento juvenil do Diário de Lisboa e colaborou na revista O tempo e o Modo.
É autor de vários livros de poesia. Está previsto a publicação do livro “Julião
e Outros Poemas” com uma tiragem de 150 exemplares assinados por si. Fale-nos
dessa experiência como autor.
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: Colaborei no Juvenil do DIÁRIO
DE LISBOA, na revista O TEMPO E O MODO, no NOTÍCIAS DA AMADORA,
no COMÉRCIO DO FUNCHAL e em mais alguns jornais e revistas. Publiquei MAR
A MAR (1981); O DIFÍCIL COMÉRCIO DAS PALAVRAS, (1984); FRAGMENTO E ENIGMA
(1985); RIO DO ESQUECIMENTO (1993); TODOS OS LIVROS, DIZ ELE (1999); PALAVRAS
PARA FERNANDO PESSOA (2013). JULIÃO E OUTROS TEXTOS ainda não saiu, talvez
na próxima Primavera.
LÓGOS: O que pensa sobre os
grupos editoriais que integram na sua estrutura empresarial várias editoras, descaracterizando-as
e remetendo os editores para um plano secundário, isto é, transformando-o num
funcionário comum, sem a importância e o carisma de outros tempos em que os
critérios do editor eram uma garantia de qualidade e estavam mais próximos dos
autores?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: Os grandes grupos editoriais e
livreiros (Porto Editora e Leya) funcionam como os eucaliptos na floresta,
secam tudo à sua volta. O risco é que nestas "auto-estradas" só
quase circulam os chamados best sellers
e obras que pouco inovam. Eu defendo o trabalho das livrarias e dos
editores independentes mas não esqueço que não existe a união necessária
desde logo para se poderem defender das margens leoninas que os grandes grupos
impõem. Também essa união possibilitaria a criação de mecanismos de
cooperação com vantagens para todos. Este vai ser mais um combate em que me vou empenhar.
LÓGOS: Que autores publicou na
Ulmeiro? E que livros lhe deram mais prazer editar?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: Gostei muito de editar alguns
excelentes autores, destacando: Agostinho da Silva, António Ramos Rosa, Hélia
Correia, Fernando Dacosta, António Salvado, Léo Ferré, Maria Ondina Braga, José
Viale Moutinho, Alda Espírito Santo, Alberto Pimenta, Luís Veiga Leitão,
Lawrence Ferlinghetti, Raul de Carvalho, Lidia Martinez, António Ferra, Hugo
Beja, Miguel Barbosa, Noémia Seixas, Wanda Ramos, Abílio Teixeira Mendes, Maria
Graciete Besse, Álamo Oliveira, Orlando da Costa, Mário Contumélias, Pedro
Barroso, José Jorge Letria, Ascêncio de Freitas e tantos outros. Destaco
também as QUADRAS POPULARES, do Zeca Afonso, o METAMRFOSES DO VÍDEO do Alberto
Pimenta, todos os livros do Professor Agostinho da Silva, os livros
do António Ramos Rosa e o ÁLBUM DO LÉO FERRÉ, o MONTEDEMO da Hélia
Correia entre os que mais prazer me deram por ter o meu nome associado a estas
edições.
LÓGOS: A livraria Espaço
Ulmeiro, criada em 1969, foi ponto de encontro de alguns escritores. Como
recorda hoje esses tempos?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: A livraria Ulmeiro desde o seu
início em 1969 foi sempre um local de encontro. Foram inúmeras as sessões
culturais que aqui tiveram lugar com destaque para a presença em algumas
ocasiões do Zeca Afonso que fez memoráveis sessões de música; Carlos Paredes em
mais do que uma ocasião; o poeta Manuel Maria, da Galiza; Mário Viegas (provavelmente
um dos primeiros locais em Lisboa onde ele disse Poesia), Rogério Paulo,
Fernando Assis Pacheco; o Professor Agostinho da Silva, Dinis Machado,
Figueiredo Sobral, António Ferra, Lidia Martinez e tantos amigos. Entre os
inesquecíveis, Léo Ferré e Lawrence Ferlinghetti, Natália Correia, David Mourão
Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, António Lobo Antunes, Vitorino e Ruy
Belo...
LÓGOS: Foram os leitores que
deram o «golpe de misericórdia» a muitas livrarias que tiveram de fechar as
suas portas, como aconteceu com a Espaço Ulmeiro. Este fenómeno não estará
ligado aos maus hábitos de leitura das pessoas? A verdadeira literatura está
sempre a perder leitores?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: As livrarias fecham por falta de
leitores, sempre. Não há voltas a dar. Ainda estamos por cá vivendo e tentando
remar contra a corrente. É sabido que não é nada fácil. Mas os tempos são de
tempos de antena do futebol até à exaustão. Os índices de leitura são baixos.
Houve um colega que me disse uma vez: "estás enganado, a nossa luta não
deve ser para as pessoas lerem mais, mas sim para comprarem mais
livros". O meu colega não tem razão, mas o marketing tem muito peso e o
pessoal dos livros distraiu-se e deixou correr o marfim. Continuo a pensar
que as questões da leitura se resolvem desde cedo na escola primária de
preferência com bons hábitos de leitura, na existência de bibliotecas
desde as escolares às públicas e municipais com bibliotecários que
gostem de livros e de os ler, com uma rede de livrarias
independentes inserida nas comunidades, com os media a dedicarem nem que
seja apenas 3% do tempo que dedicam ao futebol.
LÓGOS: Qual é a sua opinião
sobre o panorama literário actual?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: Conheço mal o panorama literário
actual, vivo na periferia e não frequento o meio nem tenho vontade de o
frequentar. Vou lendo qualquer coisa mas é insuficiente. Haverá gente com
valor, claro! Quem sou eu para os criticar ou julgar. Sempre vivi um pouco na
margem e assim irei continuar.
LÓGOS: Recentemente criou uma
associação cultural. Em que consiste a dinâmica deste projecto?
JOSÉ ANTUNES RIBEIRO: A Espaço Ulmeiro Associação
Cultural está já a funcionar com os seguintes objectivos: "Promoção do livro
e da leitura. Espaços de exposições, compra e venda de livros. Edição e
distribuição de livros e revistas. Cooperação livreira e editorial com os
países de língua oficial portuguesa. Organização de feiras do livro e de
festivais literários e artísticos nos países de língua oficial portuguesa”.
Pretendemos chegar aos 300 associados em breve. A jóia é de 20,00€ e a quota
mensal de 5,00€. Os associados beneficiam de 20% de desconto em todas as nossas
realizações. Em breve sairá a público a revista O VOO DA CORUJA, dedicada à
literatura, às Artes e à Ciência. O Director será o poeta e artista plástico
Hugo Beja, também homem de ciência. O nº. Zero, que sairá nesta primavera, terá
uma tiragem pequena prevista de 250 exemplares, sendo 75 exemplares para
distribuir com um desenho original de Hugo Beja. A edição normal terá o preço
de 10,00€ e a edição especial com o desenho de Hugo Beja terá um custo de
30,00€. A E.U.A.C. é a nossa grande aposta neste momento.
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