Eles entenderam que era mais fácil
criar consumidores do que subjugar
escravos.
Noam Chomsky
A vida contemporânea está moldada pela
indústria da publicidade. O principal objectivo desta actividade profissional é
a divulgação de ideias, instituições, serviços e produtos junto de um
público-alvo – a massa consumidora – induzindo-o a uma atitude favorável à
ideia em causa, à predisposição para utilizar um determinado serviço ou
adquirir um produto específico. A técnica da propaganda difunde ideias e
produtos, e a publicidade é o instrumento que os torna públicos. Do ponto de
vista histórico, não sabemos como teve início esta actividade, mas todos
sabemos o que ela significa hoje e que consequências tem nas nossas vidas.
Estamos muito longe do primeiro anúncio publicitário da loja de agulhas da
família Liu, em Jinan (Dinastia Song, China), considerado o primeiro meio de
publicidade impresso do mundo. Aliás, sabe-se que a partir de 200 a.C. essa
preocupação com o status social e estratificação das marcas já existia na
China.
Anúncio publicitário da loja de agulhas da família Liu |
Outra referência importante foi a campanha
publicitária de sucesso da Coca-Cola no final do século XIX e que perdura atá
aos nossos dias (em 2011, a Coca-Cola foi considerada a marca mais valiosa do
mundo). E o que dizer da marca Apple no segmento das tecnologias de informação
e comunicação que no século passado, em 1997, criou um inovador anúncio
comercial de cariz filosófico intitulado “To the crazy ones”)? Recordemos: Isto é para os loucos. Os
desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os que são peças redondas nos
buracos quadrados. Os que vêem as coisas de forma diferente. Eles não gostam de
regras. E eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los,
discordar deles, glorificá-los ou difamá-los. Mas a única coisa que você não
pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça
humana para frente. Enquanto alguns os vêem como loucos, nós vemos génios.
Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o
mundo são as que, de facto, mudam.
Anúncio publicitário da Coca-Cola (século XIX) |
Anúncio publicitário da Apple (século XX) |
Eles precisam de ver para crer,
pensa o publicitário. E mesmo que seja mentira, se repetir muitas vezes,
eles vão acreditar, acredita o manipulador. Não raras vezes, o publicitário
e o manipulador justapõem-se. Exactamente: a indústria da publicidade dedica-se
à criação de consumidores, os escravos do consumo dos séculos XX e XXI, mas por
se terem conquistado tantos direitos e liberdades, dificilmente o sistema nos
subjugaria sem resistência: foi necessário encontrar novos meios para controlar
as pessoas, ou melhor, foi imperativo encontrar problemas que nem sabíamos que
tínhamos para nos darem as soluções, através da indução. Vejamos alguns
exemplos: temos muitos livros, então compramos um módulo Billy da Ikea;
queremos ser felizes sem culpa, bebemos Coca-Cola light; queremos sentir-nos
especiais, adquirimos o último modelo do Iphone (qualquer coisa) Plus.
O sistema de propaganda e de consumo
conhece-nos e não lhe interessa que o consumidor de ideias, instituições,
serviços e produtos esteja consciente das suas opções. Na situação pandémica em
que vivemos, é notório um esforço global de marketing para nos fazer esquecer
este fatal sentimento de vulnerabilidade que se apossou de nós, pois não nos
quer deixar olhar com a devida atenção para a vida de confinamento que vivemos
durante os últimos meses em que o mundo, literalmente, parou. Sabemos que o
novo coronavírus existe e que não há cura, mas rapidamente desistimos de o
combater. Todo um sistema de divulgação, publicidade, propaganda e marketing
nos provoca, impelindo-nos de viver uma “nova normalidade” que é, afinal, igual
à que vivíamos antes da pandemia: trabalhar, andar de transportes públicos, utilizar
serviços, pagar impostos, fazer compras. Usamos máscaras cirúrgicas ou
comunitárias, escondendo as más caras de cansaço e enfado que ostentávamos
noutros tempos. Saímos todos os dias para a rua e abrimos muitas portas
metafóricas, que sucessiva e cumulativamente nos vão contaminando com uma
espécie de normalidade assintomática, e qualquer dia acreditamos que a Covid-19
foi apenas uma gripezinha (?!).
E nós, conhecemos o sistema de propaganda
e de consumo? Temos consciência desta forma de manipulação que nos faz duvidar
da nossa própria sanidade para aceitar as realidades, opiniões e perspectivas
impostas pelo manipulador? Chama-se Gaslighting e veio para ficar, já
está bem instalada entre as pessoas. Cuidado… Para finalizar, deixo uma questão
que poderia ser o princípio de uma reflexão sociológica em larga escala: afinal,
quem ou o que empurra a raça humana para a frente?
Adília César