«Agora só vejo o que me
interessa, e certas coisas,
as que são realmente
importantes,
vejo-as melhor de olhos fechados.»
vejo-as melhor de olhos fechados.»
Silvina Jóia*
Creio que
Antoine de Saint-Exupéry, numa bela e profunda linha de escrita do seu
pequeno-grande livro O Principezinho, também já tinha dito algo muito
semelhante, em 1943, pela voz da Raposa, quando esta conversa com o Principezinho:
«Só se vê
com o coração. O essencial é invisível aos olhos.»
O Antoine e
a Silvina, sem nunca se terem encontrado, tiveram a mesma percepção: os seres
humanos devem guiar-se pelos afectos e agir de acordo com os seus sentimentos. A
minha crónica podia ficar por aqui, fiel à corrente da micronarrativa, que
tanto interesse tem vindo a provocar os leitores desde há algum tempo, cansados
de ler palavras inúteis. Podia, mas preciso de expressar a minha própria
percepção.
Na verdade, as nossas vidas estão repletas
de coisas inúteis, de palavras inúteis; é na senda da optimização de tempo e
esforço que procuramos a apropriação possível do mundo que nos rodeia através
do pouco, porque menos pode ser mais. É uma das raras verdades em que acredito.
E imagino que passeio pela rua
como se fosse uma discreta imagem a preto e branco, a deslizar ou a sobrevoar o
chão a pouca altura, envolvendo a categoria diáfana do tempo. No meio de tanta
cor, tanto ruído, tanta inquietação, a serenidade de uma fina linha de
equilíbrio poderia ser uma boa definição para "vida". Não a vida enquanto construtora de instantes violentos e banais, os
quais recuso.
Foi a minha mãe que me ensinou a ver o
invisível, o essencial, quando ambas nos confrontámos com as suas dificuldades
de visão. Conversámos sobre a
inevitável mudança de hábitos, a reconstrução das rotinas do dia, a adaptação
àquilo que é absolutamente essencial. De facto, desde há cerca de um ano, ela
já não vê como antes: não lê os livros nem as legendas dos filmes, não
distingue as feições das pessoas com quem se cruza na rua. Mas não está muito
preocupada. Diz que sente uma espécie de serenidade imposta pelo carácter agora
invisível das coisas outrora familiares.
A mãe (Silvina Jóia) e a filha (Adília César) |
O que a
minha mãe confidenciou fez-me repensar sobre a dicotomia entre a visibilidade e
a invisibilidade do essencial que, à partida, não é tão linear como parece.
Fechei os olhos, vi os meus sentimentos e as minhas convicções, não a partir da
discussão acalorada em discurso directo com outra pessoa, mas através do
pensamento introspectivo e silencioso, até atingir um nível mais elevado de
conhecimento pessoal e relacional com o universo. Há quem valorize este
processo e lhe chame meditação. Há quem, pelo contrário, o desvalorize e
lhe chame solidão. Há também quem ande pelo mundo de olhos abertos e
cegos na sua desumanidade, sem compreender o seu papel particular no todo.
Ao virar a
página, tive a minha epifania: afinal, somos versos do mesmo poema e podemos
fechar os olhos, vendo o essencial com o coração. Sim, escrever amor em todas
as páginas.
*Silvina
Jóia é o nome da minha mãe, o primeiro verso do meu poema.
Adília César
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