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terça-feira, 4 de setembro de 2018
LÓGOS ENTREVISTA | DINA FERREIRA
Dina Ferreira, fundadora da Livraria Poetria, numa conversa com Adília César e Fernando Esteves Pinto.
LÓGOS: Dina
Ferreira da Silva reformou-se e abriu a Livraria Poetria, na Rua das Oliveiras,
no Porto, a única livraria do país dedicada à Poesia e ao Teatro. Quais eram as
suas expectativas iniciais? Tinha a percepção de que uma livraria dedicada a
dois géneros literários tão específicos teria êxito? Ou era apenas um gosto
pessoal? Um sonho romântico? Uma pequena utopia?
Quando esta livraria
foi criada (inauguração em 31 de Maio de 2003), a ideia era de que poderia ser
de facto uma forma de atrair público uma vez que, pela minha própria
experiência, não havia nas livrarias generalistas muita oferta em poesia e
teatro. Mas tinha a consciência de que uma tal especialização não seria
compatível com viabilidade financeira sem a integração de outras valências
ligadas à convivialidade, cultura, lazer, conforto (lançamentos de livros,
sessões de poesia e música, clube de leitores, oferta gastronómica, encontros,
worshops...). Foi tudo isso, um “gosto pessoal, um sonho romântico, uma pequena
utopia”, mas tudo isso correspondia a um projecto concreto que incluiria, mais
cedo ou mais tarde, aquelas valências, o que nunca se concretizou.
DINA FERREIRA: Quem
é Dina Ferreira da Silva? Uma romântica que quer levar a Poesia e o Teatro ao maior
número de pessoas? Ou uma empresária que precisa de gerir um negócio de forma a
não abrir falência?
Sempre sonhei divulgar
a poesia e o teatro ao maior número de pessoas, mas com a esperança constante
de que isso acabaria por me trazer o retorno financeiro aceitável, que
justifica qualquer negócio. Sempre realizei sessões de poesia em vários locais
da cidade e do país, a primeira das quais foi no Café Lusitano, que abriu pouco
depois da Poetria. Estabeleci nessa altura uma parceria com as Quintas de leitura,
no Teatro do Campo Alegre, que começaram a sua actividade em 2002, com a
presença da Poetria no TCA com uma banca de livros dos poetas convidados para
essas sessões mensais. Também sou "contemporânea" do aparecimento da
mais importante das pequenas editoras, a Averno, do poeta Manuel de Freitas,
com quem comecei logo a ter relações comerciais. Hoje sinto-me mais na posição
de "empresária que precisa de gerir um negócio" para não encerrar a
livraria, já que a falência técnica já é real há bastante tempo, mas também,
posso dizê-lo muito sinceramente, para não "defraudar" algumas
pessoas que me são muito caras e que me tentam encorajar a continuar, por
acharem que uma tal livraria, pela sua história e pelo seu carisma, não deveria
fechar.
LÓGOS: A
Livraria Poetria está aberta ao público há já catorze anos, desde 31 de Maio de
2003, pondo à disposição do público centenas de títulos de Poesia e de Teatro,
através de uma montra sempre cuidada e colorida, decorada com versos e capas de
livros. Há um equilíbrio entre a oferta da livraria e a procura por parte do
público?
DINA FERREIRA: A realidade que vivo
todos os dias demonstra que não existe esse equilíbrio, porque o número de
livros que vendo é claramente insuficiente para fazer face aos compromissos de
tesouraria e possibilitar um salário, o meu. Mas se todos ou uma grande parte
dos que lêem poesia viessem comprar esses livros à Poetria, estou certa que
esse equilíbrio seria possível.
LÓGOS: Na
Rua das Oliveiras, recentemente adornada com a renovação da fachada do Teatro
Carlos Alberto, as pessoas passam, param e olham. Mas entram, nem que seja por
curiosidade? Como é o público da Poetria em termos sociais e o que procuram?
Poemas, peças de teatro, ensaios literários?
DINA FERREIRA: As pessoas que passam
entram muitas vezes por curiosidade ou para comprar um livro exposto na montra.
Mas as que já conhecem a Poetria, e que acabam por voltar sempre, são jovens e
normalmente com um grau de cultura apreciável, que procuram poesia, ensaios
literários ou teatro, embora este último género seja quase só procurado por
pessoas ligadas a essa arte e não o público em geral, que praticamente não lê
textos ou peças teatrais, bastando-lhe ir ver a peça quando está em cena. Há
também os que entram com o intuito de "experimentarem" ler ou
oferecerem um livro de poesia a alguém. Nesse caso preocupo-me em lhes mostrar
ou sugerir livros e autores de forma a que a escolha final seja suficientemente
acertada para voltarem ou continuarem a ler poesia, e geralmente tenho bons
resultados a posteriori.
LÓGOS: Sabemos
que Dina Ferreira da Silva é uma apaixonada pela poesia e que um dos seus
poemas preferidos é “Quase” de Mário de Sá-Carneiro.
A
Poetria veio para ficar? Ou precisa de “um pouco mais de sol para ser brasa”,
nas palavras do poeta?
DINA FERREIRA: A Poetria, após os
seus quase 14 anos de vida, não "veio para ficar", devo reconhecê-lo
com realismo e lucidez. Mas acredito que com "um pouco mais de
azul..." isso poderia acontecer e este projecto vingar. Com mais espaço
físico, com mais recursos humanos e tecnológicos, com mais algum capital
disponível, com mais clientes que não optam pela Poetria apenas depois de terem
procurado "em todo o lado" um determinado livro de poesia, em vez de
começarem precisamente por aqui...
LÓGOS: A
Poetria tem à disposição do público títulos de grandes e pequenas editoras.
Como obtém conhecimento dos livros novos que vão saindo, quer de Poesia, quer
de Teatro?
DINA FERREIRA: Das grandes editoras
vou lendo o que vai saindo, pela imprensa ou pelos próprios vendedores das
editoras. Das pequenas, algumas delas importantíssimas para a edição de novos e
bons autores, tenho de estar atenta ou ir à procura do que vão publicando à excepção
da Averno, que me envia sempre 3 exemplares de cada novo livro que edita. Num
ou noutro caso, há algum destaque ou crítica em imprensa de referência, ou vou
sendo informada até pelos próprios clientes.
LÓGOS: Quais
são os poetas mais procurados? Há conhecimento do público sobre os novos poetas
e os recentes projectos literários, como a Eufeme, Cidade Nua e outros?
DINA FERREIRA: Dos consagrados e mais
velhos, Cesariny, Pessoa, Herberto, Sophia, Eugénio. Dos mais novos, Manuel de
Freitas, Vasco Gato, Filipa Leal, Daniel Jonas, Luís Quintais, Rui Pires
Cabral... O público mais jovem está atento, conhece e procura, inclusivamente
os projectos novos como a Eufeme, a Apócrifa, a Tlon...
LÓGOS: Ainda
se discute actualmente as possibilidades e o lugar do texto teatral,
relegando-se para segundo plano um género que alguns não consideram um texto
literário propriamente dito, por não se destinar a ser lido pelo público comum,
mas sim para ser trabalhado por encenadores e autores, no sentido de ser levado
à cena. Há uma procura regular de livros de Teatro por parte do público?
DINA FERREIRA: O público em geral não
lê, ou lê muito pouco, teatro, considerando "suficiente" ir ver a
peça. Os meus clientes habituais de livros ou peças de teatro são as próprias
pessoas ligadas ao teatro - actores, encenadores, alunos...
LÓGOS: Qual
foi a fase mais difícil da Poetria em termos financeiros? Já alguma vez pensou
em desistir?
DINA FERREIRA: Essa fase é crónica na
Poetria. Penso muitas vezes em desistir e ainda não o fiz pelas razões atrás
referidas.
LÓGOS: Sendo
uma apaixonada da Poesia e partindo do princípio de que a linguagem poética é
de todas a mais misteriosa e a “obra aberta” por natureza, tendo em conta as
suas múltiplas significações, o que é para si a Poesia?
DINA FERREIRA: Numa interpretação o
mais "concreta" possível, é uma suprema forma de liberdade de ser,
sentir, pensar, viver, permitindo-nos aprofundar o conhecimento próprio, da
natureza, do mundo e dos outros seres humanos.
LÓGOS: Quais
são para si os livros de poesia ou autores que mais a marcaram?
DINA FERREIRA: Mário
de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Miguel Torga, Cesário Verde,
Camilo Pessanha, Bocage, Manuel de Freitas.
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